10 de fev. de 2011

O Próximo Passo e o Jardim

Uma definição peculiar a respeito de um bom show, embora dificilmente incorreta, diria que "trata-se de um show bom aquele que se sai com dor nas mãos de tanto bater palmas". Alguém que fosse à apresentação de Tulipa Ruiz no último dia 5, no SESC Ipiranga, poderia muito bem se contentar com tal idéia - era simplesmente muito difícil resistir ao charme e à competência da cantora paulistana e não aplaudi-la.

Consagrada em 2010 por seu disco de estréia "Efêmera", Tulipa dominou a platéia em um show curto, mas muito eficiente. Com sua candura particular, ela não só cantou as bonitas canções de seu álbum, mas também destilou sorrisos pelo público com gestos, coreografias, tiradas e histórias contadas durante o show. A sensação de ouvi-la cantando (e conversando) é a de que se trata de uma velha amiga a narrar histórias sobre atrasos para o cinema ("Pontual"), amigos de sexualidade dúbia ("Pedrinho") e amadurecimento feminino ("Da menina") numa conversa sem fim.

Entretanto, é no ponto mais alto do show que Tulipa mostra que pode ir um pouco além: ao cantar "Às Vezes", balada composta por seu pai, mas com um gosto do melhor repertório de Rita Lee no final dos anos 70, a cantora leva a platéia a cantar a sinuosa letra inteira junto com ela, provocando lágrimas em muitos dos presentes. Na seqüência, ao cantar "Da Maior Importância", clássico de Caetano Veloso, a paulistana, muito bem escorada por sua banda, deixou claro para quem estava ali que também é uma grande intérprete, levando uma canção a lugares onde não esteve antes. (E diga-se de passagem: foi difícil conservar-se sentado ao balanço acachapante da música).

Talvez boa parte da grandeza deste show deva-se ao fato do já citado entrosamento entre público e artista: a própria Tulipa comentou, no decorrer do show, como era bom fazer uma apresentação depois que seu disco havia "andado por aí". O momento que ela se encontra também é bastante peculiar: com uma ascensão rápida do anonimato para as listas de melhores do ano, a cantora vive uma fase de lua-de-mel com sua obra. E é talvez nessa zona de conforto que resida o problema que ela terá de enfrentar daqui para frente.

Sim, você já ouviu essa história antes: trata-se do velho clichê que fala sobre "o conflito do segundo disco". Há uma pressão natural de que exista uma evolução do primeiro disco para o segundo - mas o que fazer quando se já inicia bem? Manter o estilo pode soar repetitivo e "seguro", e ousar, mudar, "evoluir", pode ser pretensioso e perigoso demais. E isso se complica ainda mais quando é o caso de Tulipa, cuja obra se mostra mais madura em relação à sua visão de mundo - ela definitivamente não é uma adolescente deslumbrada.

Entretanto, essa própria maturidade, perceptível em suas letras e na maneira como os arranjos de suas canções são trabalhados, é um fator que pode a ajudar. Outro bom indício que as coisas podem continuar muito bem no jardim dela é o fato dela se cercar de outros bons nomes que surgiram nos últimos anos, como é o caso dos cantores Thiago Pethit, Tiê e Marcelo Jeneci e da banda Cérebro Eletrônico, centralizada aqui na figura de Tatá Aeroplano. Tiê, por exemplo, gravará "Só Sei Dançar com Você" em seu próximo disco, a sair ainda no primeiro semestre. A já citada capacidade de se impor como intérprete inovadora é mais uma carta na manga da cantora.

E de carta em carta, é possível que ela tenha uma ótima mão para suas próximas jogadas – só resta esperar pra ver quão alto serão suas apostas e torcer para que ela não “saia de salto por aí”, como uma das personagens de suas canções.

(publicado originalmente no site Scream&Yell)

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