
Em seu primeiro disco, Ainda Há Tempo, Criolo fez um bom trabalho, seguindo à risca a tradição do estilo no Brasil, procurando narrar a vida na periferia e levando em frente a tentativa de se estabelecer uma cultura de paz, mesmo quando esta pareça simplesmente uma utopia perante um cotidiano de guerra. Em Nó na Orelha, porém, ele se apresenta mais como cantor do que como rapper: não são todas as faixas as quais ele aparece rimando, e nem todas as em que ele rima são exclusivamente raps. Na maior parte do disco, ele trafega entre bonitos sambas, reggaes e até pelo formato tradicional da canção. É possível, porém, que essa escolha seja para mostrar que o rap é não apenas um gênero, mas um estilo de compor que trespassa o ritmo musical - percebe-se, em muitas das rimas do álbum, uma construção típica do gênero. Como ele mesmo cantou em uma releitura que fez de "Cálice", clássico de Gil & Chico: "Me chamam Criolo e o meu berço é o rap/mas não existe fronteira pra minha poesia, pai”.

Partindo desse ponto, outra questão interessante a ser observada nas letras de Criolo é preocupação de fugir dos estereótipos que retratam a periferia, e, mais do que isso, de evitar pontos de vista que o façam dessa maneira: "cientista social, Casas Bahia e tragédia/gosta de favelado mais que nutella" ("Sucrilhos"), ou ainda, "e covarde são quem tem tudo de bom/e fornece o mal, pra favela morrer" ("Subirusdoistiozin"). Em "Lion Man", Criolo também mostra que não é de fugir da briga, seja como artista ("e se fosse pra ter medo/dessa estrada/eu não taria tanto tempo/nessa caminhada/artista independente/leva no peito a responsa, tiuzão") ou exibindo uma preocupação global ("e já era/sua rainha tá ciscando/já era/o país tá no abandono/já era/o planeta tá morrendo/já era/vai cair o rei").
Entretanto, é pelas músicas fora do contexto do seu berço que o cantor pode ser mais convidativo a ouvidos principiantes: seja num samba de respeito, na tradição lírica de Paulinho da Viola, mas com a referência pop da Turma da Mônica ("Linha de Frente"), num dub esperto ("Samba Sambei") ou transportando-se para a década de 70 ao emular Odair José e outros craques da "música de bordel" ("Freguês da Meia Noite"). Ou ainda em "Não Existe Amor em SP", que merece por si só um comentário à parte.

Nó na Orelha não é um disco regular em sua integridade – talvez justamente por misturar diferentes ritmos, em certos lugares o compositor se sai melhor em uns que em outros – mas que faz uma conexão entre estilos de ouvintes diferentes: agrada tanto àquele tradicional apreciador de rap quanto um público “branco de classe média-alta católico” (o equivalente mais próximo da sociedade brasileira ao WASP estadunidense) com ouvido mais aberto à música em geral (mas não ao rap em si). Ele também não se encontra sozinho: outros artistas, cujo caso mais conhecido é Emicida, tem feito essa ligação entre o rap e o indie de maneira interessante - vale a pena ver a sampleada que este deu em “Quero te Encontrar”, do duo Claudinho e Buchecha. Criolo, porém, mostra aqui que é o responsável pela melhor tentativa feita nesse sentido até agora. Na linha de frente da quebra de preconceitos, esse é um disco que pode, literalmente, deixar a quem o ouve com um nó na orelha.
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