Nos últimos dez anos, as telas dos cinemas alternativos do Brasil (aqueles lugares onde a pipoca quase nunca é comprada e todo mundo fala em filmes de arte) têm sido ocupadas por uma enxurrada de documentários musicais. São longas-metragens que abordam carreiras esquecidas (Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei, Loki), surgimentos de cenas musicais (Botinada) e examinam trajetórias longevas (Meu Tempo É Hoje, Coração Vagabundo), dando água na boca em fãs famintos por saber mais sobre a carreira de seus ídolos, as condições em que eles chegaram à produção de hits certeiros ou como suas carreiras foram destruídas pelas drogas e pelo álcool.
Rock Brasília - Era de Ouro, lançado em 2011 pelo cineasta Vladimir Carvalho, bem que poderia se encaixar facilmente nessa definição das últimas linhas. Afinal, o filme examina com precisão o surgimento, o sucesso e o declínio das três grandes bandas de rock da capital federal na década de 1980: a Legião Urbana, a Plebe Rude e o Capital Inicial. Mas Rock Brasília é mais do que isso: trata-se de um filme sobre a capital federal, e, mais especificamente, sobre seus primeiros filhos.
Membros da alta burguesia da cidade, professores universitários, diplomatas, burocratas, os pais dos roqueiros contam (de maneira carinhosa e caricata) a formação de uma geração de garotos que, com uma guitarra na mão, cresceram no tedioso Planalto Central e tentaram mudar um país com palavras de protesto e canções raivosas.
Outra escolha importante é o filme olhar não só seus retratados, mas também seus realizadores. Isso acontece quando Rock Brasília mostra os locais onde foram feitas as entrevistas; deixa a voz do diretor Vladimir Carvalho aparecer nas conversas e/ou exibe sua imagem na excursão que o filme realiza junto com Philippe Seabra a Patos de Minas, onde aconteceu o primeiro show da Plebe e da Legião fora do Distrito Federal.
Para o fã da carteirinha da Legião (aquele que bateu palmas para o show com Wagner Moura), a presença de Carvalho pode não significar muita coisa. Muito pelo contrário. Certa maneira, Rock Brasília fecha uma trilogia sobre a capital federal, começada pelo diretor em Conterrâneos Velhos de Guerra (que mostra a construção de Brasília) e continuada em Barra 68 (sobre a invasão da Universidade de Brasília em 1968) – ambos tem cenas citadas no filme de 2011.
Ter Brasília como tema principal do filme traz a Rock Brasília aspectos interessantes, como uma boa apresentação da cena cultural da cidade na virada dos anos 1970 para os anos 1980, mostrando atividades como a do agitador cultural Jesus Pingo, responsável por peças de teatro que contaram com a participação de Renato Russo.
Outro grande acerto é a farta quantidade de imagens de arquivo e entrevistas com os artistas retratados na época dos acontecimentos. Além de ser saboroso ouvir Philippe Seabra e Renato Russo falando aos 20 e poucos anos de idade, é interessante perceber o contraste entre suas opiniões decorridos cinco (no caso de Renato) ou 25 anos daquela época. Entretanto, nem todas as histórias contadas na tela pelos roqueiros têm imagens de cobertura, e às vezes o filme se presta a reconstituir tais cenas com atores, gerando momentos constrangedores.
Entretanto, vale dizer que aquele cara que sempre surge nas rodinhas de violão nos acampamentos para tocar “Será” e “Faroeste Caboclo” também vai apreciar Rock Brasília, especialmente quando o filme fala da gravação do primeiro álbum da Legião Urbana ou exibe, com grande destaque e imagens pouco vistas até hoje, o trágico show da banda no estádio brasiliense Mané Garrincha, em 1988. Além disso, o fã de música também vai curtir saber um pouco mais sobre o Aborto Elétrico, seminal banda de Brasília que reunia Renato Russo e os irmãos Lemos, e entender como aconteceu a morte e a ressurreição do Capital Inicial, durante a década de 1990.
Descrito dessa maneira, pode parecer que Rock Brasília é um filme morno, cheio de longas declarações e sem vibração. Bobagem – trata-se de um documentário emocionante e arrepiante, que diz muito não só sobre a capital federal, mas também sobre o Brasil dos anos 1980 (e as ilusões perdidas da geração que tinha 20 e poucos anos na chamada “década perdida”). Mostra-se, na tela, com cores fortes, uma visão de país que pode ter esmaecido simbolicamente na morte de Renato Russo em 1996, mas que permanece viva nos olhos marejados de Briquet de Lemos (pai de Fê e Flávio Lemos, do Capital Inicial), ao encerrar o filme dizendo: “Nós [os pais] é que aprendemos com eles [os filhos]. Eles deram uma lição para nós, pais”.
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