O manual de boas práticas do jornalismo cultural recomenda
que não se usem frases superlativas na abertura de uma crítica, mas manuais
como esse precisam ser ignorados certas vezes. Foi o que aconteceu na noite da
última quarta-feira, dia 18 de setembro, quando um veterano músico americano e
sua banda subiram ao palco do Espaço das Américas para o menor público de sua
turnê mundial. Se você nunca foi a um show de rock, só existe um show ao qual
você precisa assistir: Bruce Springsteen e a E Street Band.
Há espaço para curtir com os amigos (o que dizer do suingue
dançante de bar de "Tenth Avenue Freeze Out"), para se lembrar de
amores perdidos ("good luck, good bye, Bobby Jean"), pensar no seu
país e nas pessoas da sua terra ("Death to My Hometown", "Born
in the USA") e refletir sobre o futuro que nos espera na próxima curva (na
emocionada, ainda que lenta, versão para "Thunder Road" ou na
mensagem quase otimista de “Waitin’ on a Sunny Day”).
Mais do que simplesmente fazer sentir, Bruce e sua banda
criam uma atmosfera especial que não parece conseguir ser igualada por nenhum
outro artista no mundo. Não é apenas a pungência dos solos de sax de Jake
Clemmons, a precisão da bateria de Max Weinberg ou os grandes momentos das
guitarras de Nils Loefgren e Steven Van Zandt, os mil backing vocals ou os
grandes arranjos da E Street Band. É mais que isso. É um espetáculo sincero -
na medida em que sinceridade deixa de ser um juízo de valor para se tornar um
valor de fato.
É visível, na forma como os músicos se tratam e tratam o
público, que estar naquele palco, naquele momento, é a melhor coisa que eles
podem fazer pelo mundo e por si mesmos - porque isso ajuda o mundo a ser um
tantinho melhor, mas também porque faz deles próprios pessoas melhores. E o
público entra junto nessa.
É nessa chave que, até mesmo um momento que tinha tudo para
ser constrangedor, como a releitura de "Sociedade Alternativa" (sim,
o hino de Raul Seixas e Paulo Coelho), se faz mágico, com o português
claudicante de Bruce ressignificando uma letra maltratada por anos e anos de
versões descuidadas.
É nessa mesma chave que chamar uma meia dúzia de garotas
para dançar no palco, celebrar um casamento, se jogar para a galera, abençoar
uma grávida ou chamar um garotinho para cantar o refrão de uma de suas melhores
músicas não parecem nada além de gestos naturais, como se plateia e músicos
fossem velhos amigos, uma grande família, conhecidos que se encontram no bar
para dividir as coisas da vida.
O que só torna as coisas ainda mais interessantes, mas faz
com que este seja um espetáculo difícil de ser igualado – em que outro show
você se pega dançando com pessoas que você nunca viu na vida, ou se ajoelha com
três amigos para agradecer o que está acontecendo na sua frente, ficando
felizes simplesmente por estarem vivos (“We Are Alive”). Caros amigos, este é o
show da vida.
Fotos por Marcelo Costa.
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