20 de nov. de 2013

Em Busca de Outro Mundo: Cat Stevens em SP

Já houve um tempo na Terra em que homens queriam o mudar o mundo apenas pela força de suas palavras. Munidos de violões e guitarras, eles não queriam matar fascistas, mas fazer as pessoas pensarem que um mundo mais justo e igual poderia existir. Quarenta anos depois, os tempos mudaram, e as mensagens daquela época não soam mais como outrora - mas isso não significa que reescutá-las seja um exercício em vão. É essa a ideia por trás da segunda apresentação em São Paulo de Yusuf - o nome que Cat Stevens escolheu para sua carreira depois de se converter ao islamismo, no final dos anos 70 - no último domingo, dia 18, no Credicard Hall. 

Com ingressos entre R$ 180 e R$ 950 (inteira) –  e somando o estacionamento de R$ 40, pago pela maior parte dos espectadores naquela noite uma vez que ir de transporte público ao Credicard Hall é uma tarefa hercúlea num domingo à noite -, a apresentação fazia parte da Peace Train Tour, primeira excursão do cantor em dois anos. Na chegada, uma surpresa: como parte dos ingressos mais caros não foram vendidos, houve realocação de lugares, resultando no fechamento de toda a plateia superior do recinto. A maior parte do público, como seria de se esperar, estava localizada entre os 40 e os 65 anos de idade, e se entusiasmou com um começo de show acústico e delicado, no qual um envelhecido e barbudo Yusuf mostrou dois clássicos antigos: “The Wind” e “Where do The Children Play?”.

Na sequência, a banda que acompanhava o cantor naquela noite entrou no palco, para que ele mostrasse uma canção de seu trabalho recente, já como Yusuf, e um medley especial com algumas de suas primeiras canções: "I Love My Dog", "Here Comes My Baby" e "The First Cut is the Deepest". 



Já naquele instante, era perceptível que, apesar do entusiasmo e do bom humor do artista inglês descendente de gregos, a força de algumas de suas canções se perderia no ar. Tudo graças à falta de punch de uma banda que, apesar de competente, não possuía entrosamento o suficiente para servir como base à obra de Stevens, que apesar de simples, se destaca por arranjos muito bem encaixados. Foi o que ficou claro no refrão esmaecido de "First Cut", ou, já quase no fim do show, em "Wild World", ou ainda, na hora em que o cantor foi apresentar os músicos e errou a pronúncia de vários de seus nomes, como se os músicos tivessem sido contratados às pressas. 

Além disso, havia algo de estranho no ar. Talvez fosse o preço dos ingressos, talvez fosse a canção sobre Steve Jobs ("You Can Do (Whatever)", presente na trilha de "Jobs", com Ashton Kutcher), a música sobre a Copa do Mundo de 2014 ("O Jogo Bonito", em português castiço, com direito à camisa da seleção brasileira no palco) ou as telas luminosas da plateia que, por vezes, parecia mais interessada em usar o Facebook e o Instagram do que ouvir o que acontecia no palco.



A sensação é que, mesmo cantando sobre a possibilidade de outro mundo (no belo medley com "Maybe There's a World", gravada em 2006, e "All You Need is Love"), Yusuf exibia uma contradição entre o que sua plateia cantava e o que ela própria acabou se transformando, mesmo sem querer ou se dar conta disso. Contradição essa explicada muito bem nos versos recentes de um companheiro de geração de Cat, Neil Young: "Eu e meus amigos queríamos mudar o mundo/mas o tempo mudou/o que era branco ficou manchado/nós nos separamos/e isso parte meu coração", diz ele em "Walk Like a Giant", lançada no ano passado.  

Entretanto, talvez Yusuf seja o menor dos culpados por esse cenário, evitando ao máximo quem pudesse chamar a apresentação de ‘caça-níqueis’. Ao longo de todo o show, o cantor se esforçou para atender aos pedidos da plateia, contar histórias e fazer piadas com os pedidos vindos da pista, além de emocionar com grandes momentos como “Moonshadow”, “Morning Has Broken” e “Father and Son” (que hoje pode soar mais compreensível com as vozes trocadas entre pais e filhos), arrancando lágrimas dos presentes. Isso para não falar no bis, no qual Stevens fingiu por três vezes ir embora do palco, para depois regressar e falar: “ok, eu toco mais uma música, e aí todo mundo para casa”, incluindo um petardo para deixar todo mundo feliz na hora de sair: “Tuesday’s Dead”.



O tom de abertura deste texto não deixa mentir: olhar para as canções desse passado sem um ranço de nostalgia é difícil, especialmente como se quiséssemos acreditar que o mundo hoje pudesse ser um lugar melhor, como os homens de guitarra na mão sonharam. Talvez a chave seja compreender este ‘wild world’ de outra maneira, como o próprio Cat Stevens parece ter feito há tempos. Não pela conversão religiosa, que o transformou em um simpático ancião, quase folclórico, mas pela reavaliação das palavras do passado, utilizando-as como um diferente combustível (sustentável?) para que os homens possam voltar a andar como gigantes sobre a Terra ou seguir num trem-bala da paz. Usando as próprias palavras de Cat St..., digo, Yusuf, que este autor espera ter voltado às outrora cucas bacanas que estiveram no Credicard Hall: talvez esse mundo exista, e é preciso só um pouquinho de amor pra isso. 

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