Em sua Poética, o filósofo Aristóteles procura definir, de alguma maneira, os modos de histórias que poderiam ser contadas pelo teatro. Se, por um lado, a tragédia é definida como uma história que mostra o homem de maneira idealizada; pelo outro, a comédia é uma narrativa que exibe os seres humanos de maneira caricaturizada, no que eles têm (normalmente) de pior.
Ainda que Hollywood tenha contribuído muito para alterar essa definição (comédia é para rir!), alguns filmes podem ser classificados da maneira aristotélica sem precisar de muitas concessões. É o caso, por exemplo, do mais recente trabalho do diretor Roman Polanski, O Deus da Carnificina, capaz de oferecer a seus espectadores dores no estômago e lágrimas nos olhos sem deixar os neurônios de lado.
Ainda que Hollywood tenha contribuído muito para alterar essa definição (comédia é para rir!), alguns filmes podem ser classificados da maneira aristotélica sem precisar de muitas concessões. É o caso, por exemplo, do mais recente trabalho do diretor Roman Polanski, O Deus da Carnificina, capaz de oferecer a seus espectadores dores no estômago e lágrimas nos olhos sem deixar os neurônios de lado.
Ácido até a última gota, O Deus da Carnificina parte de uma premissa simples. Em um parque do Brooklyn, dois garotos de 11 anos, Zachary Cowan e Ethan Longstreet, discutem entre si, para tentar resolver um problema que não é mostrado pela tela. O problema entre os dois não se resolve, e Zachary acaba atingindo o rosto de Ethan com um bastão de madeira. Na cena seguinte, veem-se os pais dos dois pré-adolescentes juntos em um apartamento para conversar e tentar chegar a um acordo que seus filhos não foram capazes de fazer.
Trata-se de um problema tão simples que, quando o filme atinge os primeiros cinco minutos, é fácil ter a sensação de que tudo estará facilmente solucionado entre os Cowan (Christoph Waltz e Kate Winslet) e os Longstreet (Jodie Foster e John C. Reilly). Ledo engano: a cada vez que as coisas parecem se encaminhar para uma resolução amigável, há uma reviravolta, uma armadilha, uma palavra mal colocada, que acabam por gerar o estresse seguinte e fazem quem assiste ao filme respirar fundo antes do próximo corte.
É justamente aí que reside a força do inteligente roteiro escrito por Roman Polanski e Yasmina Reza, baseados em uma peça escrita pela última: questões simples podem-se transformar em embates absurdos e amargos, mostrando o quão problemáticos são os dias de hoje. Tudo parece ser motivo para irritar o outro, e tudo é alvo de Polanski e Reza: uma flor num vaso, o celular que não para de tocar, a maneira como os filhos devem ser criados, a busca eterna da indústria farmacêutica pelo lucro, as tentativas de manter a “boa vizinhança” ou o mundo do trabalho que cada vez mais invade a esfera pessoal.
O Deus da Carnificina é um filme de diálogo, e um primor de direção e montagem, passando longe de ser uma "peça filmada" – o que poderia acontecer facilmente na mão de um diretor de menos recursos. Vale dizer, entretanto, que aqui aparece uma condução bastante diferente (e econômica) do Polanski de arroubos como O Pianista e O Último Portal.
A atuação, entretanto, é o grande destaque do filme. Mas vale dizer: os dois primeiros nomes nos créditos iniciais são os da dupla de atrizes, mas quem rouba a cena e faz a melhor parte do longa-metragem são os homens, seja na honestidade explícita de John C. Reilly ou na ironia corrosiva de Christoph Waltz.
Ao longo de aproximadamente oitenta minutos, O Deus da Carnificina exibe adultos que se parecem com crianças, mas que discutem como perfeitos donos da verdade. Atirando para todos os lados, o filme é um soco no estômago, seguindo a máxima "ridendo castigat mores". Em tempos de moralismos, falsos moralismos e, com o perdão da expressão, cagadores de regra, O Deus da Carnificina mostra que ninguém é o dono da verdade - e todo mundo tem seus problemas e culpas (até mesmo a bailarina).
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