Desde o lançamento do livro Eu Não Sou Cachorro
Não, um belo trabalho historiográfico e jornalístico do pesquisador Paulo
César de Araújo, em 2002, a música dita brega tem passado por uma revalorização
crescente na última década, com resgates, tributos e relançamentos buscando
conceder prestígio (às vezes em demasia) a nomes subestimados como Waldick
Soriano, Agnaldo Timóteo e Odair José. No caso desse último, esse movimento
alcançou um ponto importante na noite da última quinta-feira, quando o cantor goiano,
"o terror das empregadas", subiu ao palco do teatro do SESC Pompeia
para apresentar o show Odair José - Quatro Tons, baseado no
relançamento de seus quatro primeiros trabalhos em CD, com organização do
jornalista e produtor musical Marcus Preto.
Apresentando-se para uma plateia dividida entre senhores de
idade que o ouviam em seus rádios AM e jovens que o descobriram a partir do
livro de Paulo César e do tributo Vou Tirar Você Desse Lugar,
realizado em 2006, Odair mostrou-se muito à vontade para falar sobre sua
carreira, contar causos e justificar tamanha atenção, em boas crônicas como
"Vida Que Não Para" ou "A Noite Mais Linda do Mundo".
O cantor foi acompanhado por uma banda de jovens músicos,
que, apesar de alguns timbres de teclado equivocados, lhe forneceu uma boa base
roqueira (especialmente nas duas canções lembradas da ópera-rock O Filho
de José e Maria, gravada em 1977) para sua contação de histórias, à
melhor maneira dos cantautores da década de 70.
Sim, porque se de um lado Odair ocupou um espaço no dial
brasileiro à margem de Roberto Carlos, como uma versão mais sincera, menos
fabricada e mais simplória do Rei, do outro ele se inspirava diretamente em
gente como Paul McCartney (referência confessa várias vezes ao longo do show, como
na pegada "Na Minha Opinião" e na novelinha "Eu Queria Ser John
Lennon"), Cat Stevens e até mesmo Neil Young (a versão acústica a violão e
gaita de "Foi Tudo Culpa do Amor" poderia ser um b-side obscuro de um
disco como After the Goldrush ou Comes a Time).
Entretanto, inspiração não significa resultado final, e é preciso por uma pausa
na onda do hype para se perceber que Odair, apesar de seu carisma, de seu
charme e de sua modéstia, é um compositor de recursos limitados.
Suas canções têm apelo até hoje justamente por exibir cenas
de um cotidiano romântico ("Eu, Você e a Praça"), como um poeta menor
que ganha funções universais. Claro,
também é preciso valorizá-lo, mais uma vez, por ter tratado pioneiramente de
temas sensíveis à época, como a "Revista Proibida", anticoncepcionais
("Uma Vida Só") e preconceitos sociais ("Deixa Essa Vergonha de
Lado"). Mas é exagero tentar alçá-lo a um patamar de "gênio",
"mito" ou "herói" da música brasileira, como pode ser visto
por aí de vez em quando, porque suas letras atuam muito mais na esfera da
identificação rápida e simples do que da análise profunda sobre um país. Ele é,
mais uma vez, um grande contador de histórias.
Pelo sim, pelo não, a apresentação no SESC Pompeia (um dos
palcos mais prestigiados de São Paulo) serviu para justamente pôr, mais uma
vez, Odair em seu devido lugar: o de um cronista popular de um Brasil que pode
parecer distante no tempo cronológico, mas está justamente muito próximo dos
dias de hoje, especialmente por sua mensagem simples, mas sincera. Pode parecer
pouco, mas é muito mais crédito do que deram a ele durante muito tempo. Foi tudo culpa do amor.
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