Desde o final dos anos 1980, o cineasta americano Cameron Crowe conquistou fãs no mundo inteiro com seus filmes, que têm como força maior a capacidade de emocionar contando uma boa história. Seus roteiros, apesar de um terem finais previsíveis, contém sacadas interessantes em seu miolo, exibindo personagens que carregam consigo algum trauma do passado e que conquistam uma redenção pessoal, bem à moda americana.
Capaz de retirar grandes atuações de atores nem sempre tão inspirados (como o Tom Cruise de “Jerry Maguire” e o Orlando Bloom de “Elizabethtown”), Crowe também é adorado (e às vezes citado apenas) por saber utilizar como poucos a trilha sonora. Ex-repórter da revista “Rolling Stone”, o diretor é um garimpeiro de canções pop, sendo responsável por algumas das cenas musicadas mais legais do cinema. O coral de “Tiny Dancer” em “Quase Famosos” ou a serenata moderna de John Cusack ao som de “In Your Eyes” em “Digam o Que Quiserem” são dois exemplos disso.
Em “À Beira do Caminho”, que vem sendo descrito por aí como “aquele filme que tem as músicas do Roberto Carlos”, o diretor Breno Silveira (“2 Filhos de Francisco”) realiza o longa-metragem que Crowe faria se tivesse nascido no Brasil, tivesse rodado um país inteiro na boleia de um caminhão que acompanhava o Rei (e não no ônibus de turnê do Led Zeppelin).
João (João Miguel) é um caminhoneiro solitário, que corre o Brasil acompanhado de uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, um CD com os maiores sucessos de Roberto Carlos, e um caderno, onde escreve anotações (que rasura logo depois) e guarda uma foto antiga, na qual aparece abraçando uma moça - foto essa que, com o perdão do trocadilho, traz a João “recordações que o matam”. Tudo vai rotinamente bem na vida de João, até o momento em que, em uma noite, o menino Duda (Vinicius Nascimento) se esconde em sua carreta, tentando conseguir uma carona até São Paulo, onde poderá encontrar seu pai, a única pessoa que tem na vida depois de perder a mãe.
A princípio, como é de se esperar, João repele o menino. Mas, aos poucos, os dois vão se tornando amigos - e o caminhoneiro decide ajudar o garoto em sua empreitada. (Você já viu isso antes em “Central do Brasil”, só que aqui o caminho é inverso, pois “À Beira do Caminho” sai do interior para ir à metrópole). Para quem é cinéfilo de carteirinha, logo nos primeiros 15 minutos de história já dá meio que para saber onde essa estrada vai acabar.
À primeira vista, isso parece (e é) uma armadilha para o filme, mas que assim como o pneu furado de João, desenvolve e se torna algo interessante. Afinal, além de uma estrutura de narrativa muito simples, e pegadinhas óbvias (como as várias despedidas de João e Duda), “À Beira do Caminho” tem diálogos e cenas muito tocantes.
É o caso, por exemplo, de quando João faz uma parada em sua cidade natal e visita sua mãe, ou do momento em que ele reencontra um amor do passado, Rosa (Dira Paes), e faz amor com ela ao som de “Esqueça”. Em ambos os casos, as cenas já seriam boas por seu contexto dentro do filme, mas elas crescem muito com as grandes atuações que Breno extrai de seus atores. Apenas com seu olhar (e uma barba enorme), João Miguel (“Estômago”) é capaz de expressar raiva, angústia, mágoa e certa felicidade com extrema facilidade, enquanto o garoto Vinícius Nascimento tem o charme e o carisma natural aos bons atores mirins. Dira Paes, por sua vez, aparece marcante em outro papel como grande mulher nos últimos tempos (vale vê-la em “E Aí, Comeu?”, esperta comédia masculina com roteiro de Marcelo Rubens Paiva).
A fotografia aparece como um ponto interessante de “À Beira do Caminho”: intercalados aos grandes closes “padrão Globo de qualidade”, que valorizam as boas atuações, aparecem grandes planos gerais, mostrando os locais por onde passa o caminhão de João. Outro recurso interessante utilizado pelo filme é mostrar, ao longo da história, várias frases de pára-choque de caminhão. Apesar de serem clichês, essas frases têm lá sua razão e sabedoria, explicando sua razão de ser (e talvez até o valor do próprio filme).
Entretanto, não se pode negar que um dos maiores atrativos de “À Beira do Caminho” seja a sua trilha sonora, que, apesar de trazer apenas canções que ficaram famosas na voz do Rei, não utiliza sempre as interpretações do cantor, evitando uma repetição que poderia custar todo o filme.
Em uma jogada inteligente, Silveira escolheu versões muito bem cuidadas de músicas não compostas pela dobradinha Roberto & Erasmo, como “Nossa Canção”, com Vanessa da Mata, e “Como Vai Você”, na voz de seu autor Antônio Marcos (conhecido por “O Homem de Nazareth” e por ser o primeiro marido da cantora Vanusa). Os melhores momentos do longa-metragem, porém, acontecem quando a voz de Roberto Carlos Braga irrompe pelos alto-falantes da sala de cinema, cantando “Outra Vez” e a linda “O Portão”.
Talvez o melhor jeito de entender “À Beira do Caminho” é pensá-lo como um filme à imagem e semelhança das melhores canções de Roberto Carlos. Ao ouvi-las, você sabe que não está sendo apresentado a algo revolucionário, muito pelo contrário. As letras, as melodias, os arranjos, quase tudo nessas músicas é baseado em clichês e obviedades. Entretanto, a voz de Roberto, as letras, as melodias, os arranjos, quase tudo ali é muito sincero (e romântico), de maneira que basta apenas uma fresta aberta no coração para se deixar emocionar, nas curvas das estradas de todo o Brasil.
Eu, que adoro o Crowe, por toda pieguice que ele acumula nas canções que gosto de "ver" em seus filmes, acho que entendi agora, com o seu post, o motivo pelo qual saí adorando "À Beira do Caminho" mesmo sem curtir tanto Roberto Carlos!
ResponderExcluir