16 de set. de 2012

Entrevista: Harmada


"Entre os diversos jeitos de se classificar uma banda, um dos mais peculiares é o da vergonha. É o que diferencia grupos que tem e que não tem vergonha de fazer canções com apelo pop - como se, em algum momento perdido da história da música pop, alguém tivesse decretado que fazer bonitos e fáceis refrões fosse um pecado capital. A Harmada, nova empreitada de Manoel Magalhães, um dos melhores letristas da geração anos-00, pertence claramente ao time das desavergonhadas". 

Foi dessa maneira que, no ano passado, apresentei o primeiro disco da Harmada, Música Vulgar para Corações Surdos, que tocou bastante aqui em casa em 2011, especialmente por suas bonitas canções pop "Avenida Dropsie" e "Carlos e Cecília". Recentemente, a banda, que é formada por Manoel nos vocais e guitarras, conta com Brynner Mota na guitarra solo, Juliana Goulart na bateria e Eliza Schinner no baixo, lançou um clipe novo. 

"Luz Fria", em p&b sofisticado, é inspirado em George Meliés e em toda uma estética do cinema mudo, pegando um pouco de carona na dupla "O Artista" e "A Invenção de Hugo Cabret". O lançamento do clipe serve como desculpa para essa entrevista, na qual o vocalista Manoel Magalhães fala um pouco sobre a situação da banda em 2012, comenta uma declaração sobre a cena carioca que fez anteriormente no Scream&Yell (em boa entrevista feita por Jorge Wagner) e fala sobre planos para o futuro. 




Como estão as coisas para a Harmada em 2012?
Manoel Magalhães: Tudo indo bem. Fizemos um show bacana aqui no Rio, uma espécie de lançamento oficial do disco, já que não conseguimos fazer isso no ano passado. Rolou o tributo ao Wilco, na qual tocamos "Radio Cure", tem o clipe de “Luz Fria” que logo deve parar nas TVs, ainda vamos fazer dois outros tributos, mas o projeto principal no momento é fazer um vídeo para cada música do disco em um espaço urbano. A ideia é fazer aqui no Rio com uns convidados legais, outsiders da cultura carioca, enfim, é a coisa que vai mais tomar o nosso tempo nos próximos meses.



No primeiro disco da Harmada, muitas músicas faziam referência ao universo do cinema, direta ou indiretamente. Em um clipe, isso fica mais fácil de ser traduzido. Como foi passar as ideias da banda para o vídeo?
Manoel Magalhães: Realmente, muito mais fácil. Como temos a sorte de conviver com amigos que trabalham com cinema, esse diálogo fica mais simples. O clipe de “Corações Surdos” foi um estudo de cinema, que acabou até nos surpreendendo entrando para a mostra Vivo Movida, então “Luz Fria” acabou como o desdobramento da nossa parceria com a produtora Caos e Cinema, que eu espero que também continue com esse projeto dos vídeos urbanos. “Luz Fria” foi uma ideia do Rodrigo Sellos, de brincar com o cinema mudo, acabamos gostando muito e entremos no clima. Tentamos viver um pouco desse universo e mostrar o que ele pode comunicar. Essas são todas experiências muito intuitivas, por mais que você tente dominar o processo, o momento é que te domina de alguma forma, durante um período certas ideias viram quase uma obsessão, então você tenta realizar e vê que o acaso trabalha muito nessas escolhas. Como “Luz Fria” é um ponto fora da curva no nosso disco, com uma citação ao jazz, queríamos experimentar um imaginário novo pra ela, e acho que conseguimos.

O clipe de "Luz Fria" foi realizado com a ajuda de um edital do governo do Rio de Janeiro. O que você pensa sobre esse tipo de parceria entre artista e iniciativa pública?
Manoel Magalhães: Acho ótimo. Na verdade é a única forma que temos no momento de fazer as nossas coisas com uma certa qualidade sem ter que tirar um caminhão de dinheiro do próprio bolso. Acho que esse tipo de incentivo deve ser destinado mesmo aos artistas iniciantes, que não estão consolidados ou com as portas abertas na iniciativa privada. Essa aposta do Governo do Estado é uma forma de incentivo, já que comparada aos grandes projetos de cinema ou shows de artistas consagrados, não é uma grande verba. Se todas as esferas públicas investissem em pequenos editais como esse, muito mais gente estaria produzindo coisas legais. De resultado, o clipe do Domenico, “Cine Privê”, por exemplo, já mostra quanta coisa boa pode sair desse tipo de projeto. Esse período de produção musical no Rio só está sendo documentando em clipes com um acabamento melhor graças a isso.

No ano passado, você deu uma entrevista ao Scream & Yell dizendo que a cena musical carioca tinha acabado. Recentemente, vários artistas têm buscado o contrário, tentando reativar essa cena - ao menos, em discurso. Como você vê isso hoje?
Manoel Magalhães: Já repensei muita coisa. Naquela ocasião, eu falava da questão da cena como movimentação artística organizada, coisa que continuo não enxergando por aqui, mas acho que esse tipo de avaliação já é um pouco desnecessária. Com a internet é mais fácil firmar laços por afinidade, criar estruturas de produção musical e distribuição, então essa coisa geográfica tá ficando desgastada. Não me sinto inserido em nada que acontece por aqui, mas nos anos 2000, quando o Rio estava tomado por um caminhão de bandas e festivais independentes, eu também achava a integração bem artificial. O que as pessoas não entenderam, e talvez eu não tenha conseguido esclarecer, foi que eu não disse que não existia movimentação, bandas interessantes, eu disse que não existia uma cena, ou seja, uma cadeia integrada de bandas, casas de show, selos e veículos de imprensa. Eu acho que tem muita gente que corre muito para formar algo integrado, mas talvez o momento é que não seja favorável.



Em 2011, vocês vieram a São Paulo para um único show. Pretendem voltar à cidade esse ano?
Manoel Magalhães: Queremos muito voltar. Não sei se esse ano ainda vai rolar, talvez a chance maior seja no início de 2013. Nossa vontade é mostrar o disco com mais calma para quem ainda não nos viu ao vivo, mas achamos que uma estrutura mínima é fundamental para isso. Estamos quebrando essas pedras para conseguir abrir os espaços necessários e ter o mínimo de qualidade de som e facilidades práticas para quem vai querer assistir. Aos poucos estamos conseguindo e São Paulo é a maior prioridade.

E os planos para o futuro? Já se pode falar em disco novo ou ainda é cedo para isso?
Manoel Magalhães: Já começamos a pensar no disco novo, existe uma proposta de como vai soar, ideias de timbres, alguns rascunhos de música, mas o conceito geral ainda precisa aparecer. Como, provavelmente, não teremos a estrutura fantástica de gravação que tivemos no primeiro, já estamos pensando em formas de fazer esse disco com alguma verba e ao mesmo tempo colocando mais a mão na massa no processo de gravação e produção mesmo. As bandas, geralmente, produzem um segundo disco mais pop, tentando ver se decolam de vez, nós queremos apontar para um caminho mais estranho.

Um comentário:

  1. Nossa, logo no começo da "Avena Dropsie" eu lembrei da "Praça de Alimentação" do Terminal Guadalupe. Sou maluca?

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