"Entre os diversos jeitos de se classificar uma banda, um dos mais peculiares é o da vergonha. É o que diferencia grupos que tem e que não tem vergonha de fazer canções com apelo pop - como se, em algum momento perdido da história da música pop, alguém tivesse decretado que fazer bonitos e fáceis refrões fosse um pecado capital. A Harmada, nova empreitada de Manoel Magalhães, um dos melhores letristas da geração anos-00, pertence claramente ao time das desavergonhadas".
Foi dessa maneira que, no ano passado, apresentei o primeiro disco da Harmada, Música Vulgar para Corações Surdos, que tocou bastante aqui em casa em 2011, especialmente por suas bonitas canções pop "Avenida Dropsie" e "Carlos e Cecília". Recentemente, a banda, que é formada por Manoel nos vocais e guitarras, conta com Brynner Mota na guitarra solo, Juliana Goulart na bateria e Eliza Schinner no baixo, lançou um clipe novo.
"Luz Fria", em p&b sofisticado, é inspirado em George Meliés e em toda uma estética do cinema mudo, pegando um pouco de carona na dupla "O Artista" e "A Invenção de Hugo Cabret". O lançamento do clipe serve como desculpa para essa entrevista, na qual o vocalista Manoel Magalhães fala um pouco sobre a situação da banda em 2012, comenta uma declaração sobre a cena carioca que fez anteriormente no Scream&Yell (em boa entrevista feita por Jorge Wagner) e fala sobre planos para o futuro.
Manoel Magalhães: Tudo indo bem. Fizemos um show bacana aqui no
Rio, uma espécie de lançamento oficial do disco, já que não conseguimos fazer
isso no ano passado. Rolou o tributo ao Wilco, na qual tocamos "Radio Cure", tem o clipe de “Luz Fria” que logo
deve parar nas TVs, ainda vamos fazer dois outros tributos, mas o projeto
principal no momento é fazer um vídeo para cada música do disco em um espaço
urbano. A ideia é fazer aqui no Rio com uns convidados legais, outsiders da
cultura carioca, enfim, é a coisa que vai mais tomar o nosso tempo nos próximos
meses.
No primeiro disco da Harmada, muitas músicas faziam referência ao universo do cinema, direta ou indiretamente. Em um clipe, isso fica mais fácil de ser traduzido. Como foi passar as ideias da banda para o vídeo?
Manoel Magalhães: Realmente, muito mais fácil. Como temos a sorte
de conviver com amigos que trabalham com cinema, esse diálogo fica mais
simples. O clipe de “Corações Surdos” foi um estudo de cinema, que acabou até
nos surpreendendo entrando para a mostra Vivo Movida, então “Luz Fria” acabou
como o desdobramento da nossa parceria com a produtora Caos e Cinema, que eu
espero que também continue com esse projeto dos vídeos urbanos. “Luz Fria” foi
uma ideia do Rodrigo Sellos, de brincar com o cinema mudo, acabamos gostando
muito e entremos no clima. Tentamos viver um pouco desse universo e mostrar o
que ele pode comunicar. Essas são todas experiências muito intuitivas, por mais
que você tente dominar o processo, o momento é que te domina de alguma forma,
durante um período certas ideias viram quase uma obsessão, então você tenta
realizar e vê que o acaso trabalha muito nessas escolhas. Como “Luz Fria” é um
ponto fora da curva no nosso disco, com uma citação ao jazz, queríamos
experimentar um imaginário novo pra ela, e acho que conseguimos.
O clipe de "Luz Fria" foi realizado com a ajuda de um edital
do governo do Rio de Janeiro. O que você pensa sobre esse tipo de parceria
entre artista e iniciativa pública?
Manoel Magalhães: Acho ótimo. Na verdade é a única forma que temos
no momento de fazer as nossas coisas com uma certa qualidade sem ter que tirar
um caminhão de dinheiro do próprio bolso. Acho que esse tipo de incentivo deve
ser destinado mesmo aos artistas iniciantes, que não estão consolidados ou com
as portas abertas na iniciativa privada. Essa aposta do Governo do Estado é uma
forma de incentivo, já que comparada aos grandes projetos de cinema ou shows de
artistas consagrados, não é uma grande verba. Se todas as esferas públicas
investissem em pequenos editais como esse, muito mais gente estaria produzindo
coisas legais. De resultado, o clipe do Domenico, “Cine Privê”, por exemplo, já
mostra quanta coisa boa pode sair desse tipo de projeto. Esse período de
produção musical no Rio só está sendo documentando em clipes com um acabamento
melhor graças a isso.
No ano passado, você deu uma entrevista ao Scream & Yell dizendo
que a cena musical carioca tinha acabado. Recentemente, vários artistas têm
buscado o contrário, tentando reativar essa cena - ao menos, em discurso. Como
você vê isso hoje?
Manoel Magalhães: Já repensei muita coisa. Naquela ocasião, eu
falava da questão da cena como movimentação artística organizada, coisa que
continuo não enxergando por aqui, mas acho que esse tipo de avaliação já é um
pouco desnecessária. Com a internet é mais fácil firmar laços por afinidade,
criar estruturas de produção musical e distribuição, então essa coisa
geográfica tá ficando desgastada. Não me sinto inserido em nada que acontece
por aqui, mas nos anos 2000, quando o Rio estava tomado por um caminhão de
bandas e festivais independentes, eu também achava a integração bem artificial.
O que as pessoas não entenderam, e talvez eu não tenha conseguido esclarecer,
foi que eu não disse que não existia movimentação, bandas interessantes, eu
disse que não existia uma cena, ou seja, uma cadeia integrada de bandas, casas
de show, selos e veículos de imprensa. Eu acho que tem muita gente que corre
muito para formar algo integrado, mas talvez o momento é que não seja
favorável.
Em 2011, vocês vieram a São Paulo para um único show. Pretendem voltar à cidade esse ano?
Manoel Magalhães: Queremos muito voltar. Não sei se esse ano ainda
vai rolar, talvez a chance maior seja no início de 2013. Nossa vontade é
mostrar o disco com mais calma para quem ainda não nos viu ao vivo, mas achamos
que uma estrutura mínima é fundamental para isso. Estamos quebrando essas
pedras para conseguir abrir os espaços necessários e ter o mínimo de qualidade
de som e facilidades práticas para quem vai querer assistir. Aos poucos estamos
conseguindo e São Paulo é a maior prioridade.
E os planos para o futuro? Já se pode falar em disco novo ou ainda é
cedo para isso?
Manoel Magalhães: Já começamos a pensar no disco novo, existe uma
proposta de como vai soar, ideias de timbres, alguns rascunhos de música, mas o
conceito geral ainda precisa aparecer. Como, provavelmente, não teremos a estrutura
fantástica de gravação que tivemos no primeiro, já estamos pensando em formas
de fazer esse disco com alguma verba e ao mesmo tempo colocando mais a mão na
massa no processo de gravação e produção mesmo. As bandas, geralmente, produzem
um segundo disco mais pop, tentando ver se decolam de vez, nós queremos apontar
para um caminho mais estranho.
Nossa, logo no começo da "Avena Dropsie" eu lembrei da "Praça de Alimentação" do Terminal Guadalupe. Sou maluca?
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