9 de set. de 2012

A Visita Cruel do Tempo

“Você tem lido algumas cartas antigas, sorri e percebe o quanto você mudou. 
Todo o dinheiro do mundo não trará aqueles dias de volta"

(“This is the Day”, The The)

Sensação literária dos últimos meses no Brasil e no exterior, “A Visita Cruel do Tempo”, da escritora norte-americana Jennifer Egan, é um daqueles livros que dão para o leitor a impressão de que é fácil demais escrever bem. A sensação não é à toa. Em treze capítulos, divididos em um lado A e um lado B (à maneira de um antigo disco de vinil), Jennifer explora diferentes maneiras de se contar uma história, brincando com personagens cujas trajetórias se entrelaçam. E, aliando forma e conteúdo, ela mexe com a não-linearidade da narrativa para refletir sobre a passagem do tempo, em um livro que venceu o Prêmio Pulitzer em 2011. 

Não há um personagem ou um espaço-tempo que que guie “A Visita Cruel do Tempo”, mas sim pontos de ligação entre figuras e lugares. Dessa maneira, em 336 páginas, somos apresentados a pessoas como Bennie Salazar, um produtor de discos divorciado morando num rico subúrbio; Rhea, uma adolescente punk na Califórnia dos anos 80; Dolly, uma assessora de imprensa que caiu em desgraça e volta à ativa para ajudar um ditador do terceiro mundo; Charlie, uma jovem que acompanha o pai e o irmão em um safári na África; ou a garota Alison Blake, cujo irmão se dedica a inventariar as grandes pausas do rock'n roll.

Jennifer escreve com destreza e singularidade, abrindo e fechando pequenas portas para que um mundo de personagens (além dos citados no último parágrafo) apareça e suma em um passar de frases, mas pede a seu leitor que a acompanhe com calma. Cabe a quem se dedica a transcorrer a leitura de “A Visita Cruel do Tempo” completar os buracos em branco e se deliciar com os choques, os desdobramentos e antecedentes que ligam os personagens, tecidos cuidadosamente pela autora. 

Entretanto, o ponto alto de “A Visita Cruel do Tempo” é a maneira como brinca com sua forma: há capítulos em primeira, terceira e até mesmo segunda pessoa (!), um perfil jornalístico à moda americana (tal como praticado em revistas como a “Esquire” e a “Rolling Stone”) e, tirando o fôlego do leitor, uma passagem de 76 páginas feita como uma apresentação de Power Point, que impressiona no papel, mas também abre uma possibilidade para o futuro. 

É como se “A Visita Cruel do Tempo” fosse um álbum bastante diverso, de uma banda aberta a mil experimentações e ritmos diferentes (em texto para o Scream & Yell, Gabriel Innocentini chamou o livro de “White Album” da ficção contemporânea. O disco clássico dos Beatles apresentava uma diversidade de gêneros, anunciava o isolamento dos integrantes e dialogava com a produção cultural de seu tempo). 

Ainda que possa parecer bastante primário (embora não seja), o capítulo executado como um arquivo “avisitacrueldotempo.ppt” mostra um caminho a ser explorado extrapolando a experiência do leitor para além de uma leitura linear, da esquerda para a direita, de cima para a baixo. Não se trata de algo novo - os irmãos de Campos e Décio Pignatari mandam seu alô - mas de uma ideia que pode mexer com a literatura. Em um momento que muita gente aponta que os livros irão se resumir às telas luminosas, “A Visita Cruel do Tempo” traz à tona novas formas de expressão, possibilitando a fusão das letras com as artes plásticas, o design, a música e a cinematografia. E isso não é pouco. 

PS: Outro experimento bastante interessante de Egan foi o conto "Black Box", publicado durante dez noites no twitter da revista New Yorker, e, aqui no Brasil, na conta da editora Intrínseca. O conto também em breve sairá em e-book, com capa de Rafael Coutinho. 

Um comentário:

  1. esse livro é aquele estereótipo de "li em horas até a metade e tô adiando ler o resto porque não quero que acabe tão rápido" <3

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