Escrevi esse texto em meados de 2012 para o hoje inativo Discos da Vida, projeto do grande Tiago Agostini, que recrutou gente boa para falar sobre os álbuns que marcaram e mudaram suas trajetórias. (Gosto particularmente do texto do Marco Tomazzoni sobre o Revolver, e o do Leonardo Dias Pereira sobre uma coletânea dos Pixies, para ficar em dois favoritos). Revirando os arquivos do computador, percebi que ele não tinha sido publicado nem no site do Agostini nem em lugar nenhum, e que merecia ver a luz do dia (apesar das historinhas e das confissões piegas). Aqui está.
Todas as vezes que penso em como formei meu gosto musical, chego à conclusão que dei um pouco de sorte. Lá em casa sempre se ouviu muita música. Quando eu tinha uns quatro, cinco anos de idade, meu pai gastava as noites de sábado – seu único tempo livre durante toda a semana – colocando discos antigos para tocar na vitrola. Uma coleção inteira de música brasileira, que me alegrava com seus refrões engraçados- na época, meus heróis pessoais eram Lamartine Babo e Assis Valente. Meu pai gosta de dizer que eu sabia cantar todas as músicas do Lupicínio, o que atraía a atenção das velhinhas nas festas da família. Tinha medo da “Suíte dos Pescadores”, do Caymmi, e até hoje acho que a música da minha vida é “Samba da Benção”, cuja letra eu sei de cor desde aquela época. Mas até os meus nove anos, eu não ouvia muito rock. Minha coleção de música – isto é, aquela não pertencente ao meu pai – de música era uma fita K7 do Mamonas Assassinas comprada no camelô que ficava na frente do sacolão de todo sábado, uma do Gera Samba (não perguntem) e outra gravada por uma aluna da minha mãe com o primeiro disco das Chiquititas (é, mexe mexe). Eu era uma criança, não entendia nada.
Todas as vezes que penso em como formei meu gosto musical, chego à conclusão que dei um pouco de sorte. Lá em casa sempre se ouviu muita música. Quando eu tinha uns quatro, cinco anos de idade, meu pai gastava as noites de sábado – seu único tempo livre durante toda a semana – colocando discos antigos para tocar na vitrola. Uma coleção inteira de música brasileira, que me alegrava com seus refrões engraçados- na época, meus heróis pessoais eram Lamartine Babo e Assis Valente. Meu pai gosta de dizer que eu sabia cantar todas as músicas do Lupicínio, o que atraía a atenção das velhinhas nas festas da família. Tinha medo da “Suíte dos Pescadores”, do Caymmi, e até hoje acho que a música da minha vida é “Samba da Benção”, cuja letra eu sei de cor desde aquela época. Mas até os meus nove anos, eu não ouvia muito rock. Minha coleção de música – isto é, aquela não pertencente ao meu pai – de música era uma fita K7 do Mamonas Assassinas comprada no camelô que ficava na frente do sacolão de todo sábado, uma do Gera Samba (não perguntem) e outra gravada por uma aluna da minha mãe com o primeiro disco das Chiquititas (é, mexe mexe). Eu era uma criança, não entendia nada.
Em 2001, porém, as coisas mudaram um pouco de figura. Primeiro: um amigo do meu pai falou para ele de um programa no computador que você usava para baixar músicas. “Um tal de Napster”, explicou meu pai no meio de um jantar. Era lento, demorava mais de uma hora para baixar uma mísera música, e muitas vezes os arquivos vinham com defeito. Mesmo assim, era a alegria do meu final de semana com internet discada. De segunda a sexta-feira eu vivia anotando as músicas legais que eu ouvia na TV para poder baixar depois – além da novela, naquela época o Alto Falante passava na TV Cultura em um horário decente. Segundo: eu via novela com a minha mãe. Mais especificamente, as novelas das sete. Eram as mais engraçadas e não passavam tão tarde assim, para eu poder jogar FIFA 2000 no computador depois da janta. E foi aí que o Pato Fu entrou na minha vida.
Um Anjo Caiu do Céu era a atração da vez: lembro que o Caio Blat era um anjo – e toda santa vez que ele aparecia tocava “Divano”, do Era, que na época eu achava o máximo – e da Débora Falabella. Mas o que eu mais lembro era de uma abertura engraçadíssima em desenhinho animado com uma música legal, que falava em beijos e declarações de amor. Era “Ando Meio Desligado”, que o Pato Fu tinha gravado especialmente praquela abertura – e depois colocaria em seu Ruído Rosa. De tanto ouvir, acabei gostando da música e ela acabou sendo incluída na minha listinha do final de semana seguinte.
Além de ter sido a primeira música que eu ouvi de Ruído Rosa, “Ando Meio Desligado” também foi a responsável pela minha descoberta dos Mutantes. Depois de cantarolar “os beijos que eu já sonhei” pela casa durante um bom tempo, meu pai me mostrou A Divina Comédia dos Mutantes, livro de lombada vermelha que há tempos habitava as prateleiras da sala. Devorei-o em menos de uma semana, e reli várias e várias vezes o trabalho de Carlos Calado naquele ano. Fiquei seis meses sem cortar o cabelo, e acalentei durante muito tempo o sonho de, quando mais velho, usar ácido e tocar guitarra elétrica, além de acreditar, como todo bom desajustado, que “Balada do Louco” tinha sido composta exatamente para mim. E dos Mutantes, que apareceram muito no meu Napster naquele ano, é que eu fui parar nos Beatles. Eu era um rato de biblioteca na época, e eventualmente um livro sobre os garotos de Liverpool apareceu na minha mão, que li em êxtase enquanto escutava a coletânea azul. Os Beatles foram a porta de entrada para todo um mundo novo – não preciso dizer mais nada sobre isso, certo?
Logo depois de “Ando Meio Desligado”, veio “Eu” e seu clipe enigmático, que contava ao melhor estilo “filme de espionagem” a história do Theremin, aquele instrumento bizarro que já tinha sido usado pelos... Mutantes! As outras vinham na sequência – e cada música do disco me dando uma noção diferente da vida: provavelmente minha religiosidade seria diferente se eu não tivesse escutado “Deus” naquela época, assim como um senso de justiça meio torta surgiu depois de “Tribunal de Causas Realmente Pequenas”. “Day After Day” e “2 Malucos” – junto a outras músicas dos Patos, como “Licitação” e “Vivo Num Morro” – me fizeram dali em diante dar sempre uma chance para bandas meio porra-loucas, que pareciam ter um parafuso a menos.
Ruído Rosa também foi parte da minha educação sentimental. “O amor é estranho e sem forma/o amor é anormal” foram versos que, anos depois, embalariam um namoro curto, mas marcante. Na parte de dentro do meu CD, está lá um autógrafo da Fernanda Takai que essa garota um dia me deu de presente. “Tolices”, por sua vez, além de ter me mostrado quem era o IRA! – que fecha o top3 bandas nacionais deste autor com a Legião Urbana – definiu um sentimento que só anos depois eu entenderia: o de admirar silenciosamente alguém passando. (A única letra de música que escrevi na vida, “Amor Passageiro”, nada mais era que um decalque mal-feito desta pérola de Edgard Scandurra).
Hoje ouço pouco Pato Fu. Bem menos do que eu deveria, acho. Mas toda vez que ouço, tenho uma sensação de redescoberta – ou de identificação simples e instantânea. Pensando bem, Ruído Rosa não é meu disco favorito dos mineiros – a primazia pertence, provavelmente, a Televisão de Cachorro, por culpa de sua dupla de baladas de quebrar o coração (“Antes Que Seja Tarde” e “Canção Pra Você Viver Mais”), ou a Toda Cura Para Todo Mal, em cuja turnê vi meu primeiro show da banda (e que permanece até hoje um dos cinco shows da minha vida).
Em discussões de bar e listas a la Rob Fleming, ele não apareceria entre os 100, ou 200 melhores discos que eu já ouvi. Em um momento menos honesto comigo mesmo, talvez ele nem seria o escolhido para este texto. Mas foi Ruído Rosa quem moldou meu caráter. Consigo enxergar as impressões digitais dele nas roupas que eu uso (pelo menos metade das minhas camisetas estão estampadas com nomes de bandas ou discos), nas amizades que fiz e na profissão que escolhi. Que me perdoem Neil Young, Michael Stipe, Brian Wilson e Renato Russo, mas esse disco é o culpado de tudo. Não levem a mal.
Gostei demais do texto. Gosto bastante do Pato Fu (meu preferido é o 'Tem mas acabou') e o 'Ruído' é um discaço mesmo!
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