5 de fev. de 2013

Casa de Rock



Inaugurada no último dia 18 no SESC Belenzinho, em São Paulo, a exposição SP Rock 70 Imagem reúne fotos, capas de discos e trechos de vídeos de algumas das principais bandas da época, na qual ser roqueiro significava obrigatoriamente ter cara de bandido. Aproveitando o gancho, o Pergunte ao Pop selecionou 15 faixas obrigatórias do rock brasileiro feitas antes de 1982, ano em que "Você Soube Me Amar", da Blitz, estoura nas paradas de sucesso de todo o país e transforma o gênero criado a partir da mistura do country e do blues em algo grande por aqui. Embarque conosco nessa viagem!

Tomando emprestado um conceito do crítico Antônio Candido em seu essencial Formação da literatura brasileira, no qual o próprio diz que só há literatura no Brasil quando se consolida o tripé "autor-obra-público", é mais do que viável dizer que só há rock de fato em terras tupiniquins a partir de 1982 - antes disso, pequenos surtos de popularidade acontecem, como é o caso clássico dos Secos & Molhados em 1973. Entretanto, desde o final da década de 1950 o país está recheado de manifestações roqueiras - inicialmente com rocks inocentes como "Estúpido Cupido" e "Rua Augusta" ou versões de clássicos do exterior (algo que a Jovem Guarda cansou-se de fazer). Ainda que incapazes de atingir o grande público, tais canções sedimentam a cultura das guitarras elétricas por aqui, criando um burburinho em torno da questão.

Por uma questão de rigor - e também querendo introduzir o leitor a novos trabalhos -, o Pergunte ao Pop deixa de contemplar em sua lista nomes consagrados como Raul Seixas, Rita Lee & Arnaldo Baptista (seja em trabalhos solo ou junto dos Mutantes), Novos Baianos, Roberto Carlos e os já citados Secos & Molhados, referências mais que batidas em textos que procuram desbravar o rock brazuca pré-Blitz. Além disso, em uma prática pouco usual para o site, apontam-se aqui preferencialmente singles no lugar de álbuns, por dois motivos: a inconstância de boa parte das bandas e a falta de recursos na época, o que dificulta a gravação de grandes álbuns e certamente diminuiria a lista de trabalhos dignos de nota. Feitas as ressalvas, chega de papo. Aumente o som, pois, como diria o apresentador Jair de Taumaturgo, "hoje é dia de rock!".


Faixa de abertura de Criaturas da Noite (clique para baixar o disco), terceiro disco da banda mineiro-carioca O Terço, "Hey Amigo" é um dos maiores hinos que o rock setentista brazuca poderia ter. Embalado pela guitarra de Sérgio Hinds, e com arranjos de Rogério Duprat, a canção conquista seu lugar nessa lista por seu refrão empolgante, feito para unir cabeças-feitas em torno da unidade final: "Hey, amigo/cante a canção comigo". Para quem se interessar mais sobre O Terço, que contava com Flávio Venturini em suas fileiras, vale ir atrás de Criaturas da Noite e do disco seguinte da banda, Casa Encantada, marcado pelo cruzamento entre o prog e o folk-rock. 


Formada por nomes como Wagner Tiso, Zé Rodrix e Tavito, o Som Imaginário entrou para as páginas da música brasileira ao acompanhar Milton Nascimento e Gal Costa nos primeiros momentos da década de 1970, em discos como Milagre dos Peixes ao Vivo. Além disso, o grupo gravou três bons discos, com destaque para o primeiro, homônimo, de 1970, e o progressivo Matança do Porco, de 1973. "Nepal", retirada do trabalho de estreia da banda, é a chave para quem quiser entender o movimento hippie no Brasil (e como suas ideias rolaram por aqui), em uma música hilária.

Leia: Os três discos do Som Imaginário, por Ricardo Schott


Admirado por colecionadores de vinis raros e dono de uma sonoridade obscura (e poucas vezes repetida no Brasil), o Módulo 1000 mesclava lisergia, teclados progressivos e guitarras à moda do Black Sabbath (em seus momentos mais soturnos e menos virtuoses). Mais bizarro é saber que Luiz Paulo Simas, um dos cabeças do grupo, tempos depois criaria o "plim-plim" da Globo, e que um dos letristas de Não Fale Com Paredes é ninguém menos que Vítor Martins, parceiro de... Ivan Lins. Pelo sim pelo não, dê uma chance para a doideira de "Turpe Est Sine Crine Caput", que em bom português quer dizer: "como é vil uma cabeça sem cabelos".

Leia: Não Fale Com Paredes, por Fernando Rosa

Liderado pelas figuras carismáticas do Dr. Próspero Albanese (vocais e letras) e de Tico Terpins (vocais e baixo), o Joelho de Porco é uma das bandas mais engraçadas de que já se teve notícia no Brasil. Avós dos Mamonas Assassinas e pais do Ultraje a Rigor, o grupo aliava nonsense, críticas à sociedade e guitarras grudentas que transitam entre o glam rock e o proto-punk. São Paulo 1554-Hoje, seu disco mais celebrado, é um raro ponto alto do rock paulista durante os anos 70, contando com provocações à família paulistana ("Aeroporto de Congonhas"), à crescente criminalidade da capital estadual ("São Paulo By Day", até hoje um retrato atual) e ao conservadorismo corrente ("Cruzei Meus Braços... Fui um Palhaço"). Entretanto, a canção mais marcante do grupo é "A Lâmpada de Edison", uma denúncia muito bem humorada da condição de subdesenvolvimento brasileira ("Ao sul da linha imaginária Éder Jofre e Roberto Carlos Braga/no hemisfério Norte, Cassius Clay e Frank Sinatra, que trapaça!"), pontuada por um solo de guitarra delicioso que, anos depois, seria vilipendiado por Roberto Frejat na balada "Segredos". (Nota: em formações futuras, o Joelho contaria com o onipresente Zé Rodrix em sua linha de frente).


"Enrosca o teu pescoço/e não queira mais pensar em nada". Se você já teve um rádio AM, uma mãe que era jovem nos anos 1980 ou gostava de Sandy & Junior, com certeza você se lembra de "Enrosca", hit na voz de Fábio Jr. O que você não deve saber é que o dono de "Enrosca", Guilherme Lamounier, é também um baladista de primeira. "Mini Neila", música pela qual Noel Gallagher certamente daria um braço em troca, e que abre o disco homônimo do cara de 1973, é uma excelente prova disso, assim como outros petardos do álbum, como "Passam Anos, Passam Anas" e "GB em alto relevo". Outros dois momentos altos de Lamounier merecem atenção: "Será Que Eu Pus Um Grilo na Sua Cabeça", regravada pelo Kid Abelha em 2005, e o hino "Cabeça Feita".

Leia: "Havia grilos na cabeça", de Pedro Alexandre Sanches, sobre o destino de Lamounier 


Antonio Adolfo é um dos maiores heróis do indie nacional. Em 1977, foi ele um dos primeiros brasileiros a gravar um disco totalmente independente, o grande Feito em casa, e lançá-lo por sua própria gravadora, a Artezanal. Dez anos antes, porém, o pianista e tecladista era um dos maiores hitmakers do pais, responsável por sucessos como "Sá Marina" e "BR-3", além de liderar A Brazuca, um grupo que faria o Mamas & Papas comer poeira, e contava com o guitarrista Luiz Cláudio Ramos e o baixista Luizão Maia. "Juliana", faixa que abre o primeiro disco da banda, ficou em segundo lugar no FIC de 1969, e é uma das melhores canções feitas no país sobre o primeiro amor e a perda da inocência. (No segundo disco, lançado um ano depois, a banda perde uma vocalista e ganha a adesão da voz de Luiz Keller, ficando menos pop e mais soul, em um disco igualmente belo, também chamado de Antonio Adolfo e a Brazuca)

Leia: Antonio Adolfo & A Brazuca, por Ricardo Schott


Depois de integrar o Som Imaginário, Zé Rodrix se juntou a uma dupla de músicos que moravam juntos no Rio de Janeiro, Luiz Carlos Sá e Gutemberg Guarabyra (esse último vencedor do III FIC com "Margarida", derrotando "Travessia" e "Carolina"). Em dois discos, os três criaram uma sonoridade incrível, adaptando o folk-rock de Crosby Stills, Nash & Young para a realidade brasileira, gerando o chamado rock rural. "Mestre Jonas", embalada pelo teclado de Rodrix, é uma das faixas mais sacolejantes do grupo, que também compôs petardos como "Primeira Canção da Estrada", "Me Faça um Favor" e "Cumpadre Meu".

Leia: Rock rural: origem, estrada e destinos, de Luiz Carlos Sá para a Revista USP


Uma evolução dos antigos Os Incríveis (aqueles mesmo da Jovem Guarda, que cantaram pérolas como "Era Um Garoto Que Como Eu" e "Eu Te Amo Meu Brasil), o Casa das Máquinas é um dos grupos que mostram como se fez hard rock no Brasil. Mais especificamente, a faixa título de seu terceiro disco, Casa de Rock, que dá nome a este texto - e soa como um grande hino do rock brasileiro. 
Muita gente deve ter chamado Milton Nascimento de louco nos corredores da EMI em 1972, quando o cantor de "Travessia" anunciou que seu próximo álbum seria duplo, e dividido com um garoto de apenas 18 anos e nenhum pêlo na cara. O que pouca gente poderia prever é que aquele disco (inspirado por uma certa esquina de Belo Horizonte) seria um dos maiores tratados pop que a canção brasileira já recebeu, misturando Beatles, bossa nova, experimentalismo e canção folclórica em medidas mais ou menos iguais. Dado o sucesso da empreitada, o tal garoto de 18 anos recebeu autorização da gravadora para ir além com a mistura que deu certo em seu primeiro trabalho, homônimo, mas mais conhecido como "aquele do tênis". Guitarras fuzzy, baiões psicodélicos e delicadas baladas acústicas se sucedem em Lô Borges, um registro ousado e pouco escutado até hoje. Ainda é tempo. 


Walter Franco não é exatamente um roqueiro: suas canções contém experimentos com poesia concreta, música dodecafônica e experimental, além de flertar com o misticismo oriental. Mas "Feito Gente", que abre seu segundo disco, Revolver, é um grito de amor desesperado embalado pela guitarra dilacerante de Rodolpho Grani Junior. Cheia de raiva, é possível considerá-la (por vias tortas) uma precursora do punk, na linha do trabalho que Patti Smith iniciaria pouco tempo depois. Para quem ficou curioso, vale também conferir a porrada "Canalha", cuja guitarra foi gravada por Sérgio Hinds, d'O Terço.


Depois de "pastar no Som Imaginário" (o termo é do próprio artista, em prefácio clássico para o guia de consulta ABZ do Rock Brasileiro, de Marcelo Dolabela) e brincar de folk-rock no SR&G, Zé Rodrix saiu em carreira solo, sempre com seus teclados à frente. Soy Latino Americano, seu segundo disco, é carregado de certa latinidade (como deixa claro a faixa título), mas merece ainda mais atenção para os hinos bicho-grilo "Casa no Campo" (gravada por Elis Regina em 1972) e "Ilha Deserta"(esta uma balada balançada da melhor qualidade). O ponto alto do álbum, porém, fica por conta de "Eu Vou Comprar Esse Disco", uma tocante confissão e homenagem ao pop de rádio recheada de intertextualidade, mostrando a música como o melhor amigo do homem - e Rodrix não está errado.


A quem estranhar a inclusão de Erasmo Carlos nessa galeria, uma vez que ele é um ícone do rock brasileiro, justifico: em ampla maioria das vezes, o Tremendão é lembrado apenas por seu trabalho durante a Jovem Guarda, escondendo seus melhores momentos durante os anos 70. Após ver seu amigo de fé se render ao soul e depois à cafonice generalizada, Erasmo segue em frente com uma guitarra na mão e muita delicadeza. É o que acontece em Carlos, Erasmo..., um disco que transita entre o pop delicado de "Ciça Cecília" e "Masculino e Feminino" e o balanço samba-rock de pedradas como "Mundo Deserto" (dele e de Roberto), "De Noite na Cama"(Caetano Veloso, depois regravada por Marisa Monte nos anos 90) e esta "Agora Ninguém Chora Mais", de Jorge Ben. Em anos seguintes, Erasmo iria mais além no estilo hippie de ser, sem se prender a rótulos, chegando a gravar Belchior, Antonio Adolfo e Gilberto Gil, além de compor temas inspirados como "Cachaça Mecânica" e "Sonhos e Memórias".


O primeiro hit da carreira de Ronnie Von (muito antes dele se tornar o dono do sofá mais divertido das noites da televisão brasileira) foi "Meu Bem", uma versão para "Girl", dos Beatles, mas pouco tempo depois disso o Pequeno Príncipe, escudado pelos Mutantes e pelos Beat Boys entraria em uma fase roqueira até hoje pouco escutada e compreendida. "Sílvia 20 Horas Domingo" é uma pérola pop desse repertório, registrada em um disco no qual Ronnie imita Joe D'allesandro, um dos heróis de Andy Warhol. (Nos anos 2000, a gaúcha Video Hits resgataria a canção, em um arranjo que é puro chiclete).

"Nem Sim Nem Não", Eduardo Araújo, compacto de 1968

Outro jovem-guardista que se meteu pelos caminhos do rock e da lisergia com algum sucesso foi Eduardo Araújo - aquele mesmo do "carro vermelho/sem espelho pra me pentear". Entre os destaques de sua discografia, que inclui versões para guitarra de clássicos como "Ave Maria no Morro", "Carinhoso" e "Aquarela do Brasil", está "Nem Sim Nem Não", marcada pelo groove e pela força da guitarra de Lanny Gordin. 

"Perdido em Abbey Road", 14 Bis, do disco 14 Bis (1979)

O primeiro disco do 14 Bis, de 1979, fez muita gente acreditar que o rock no Brasil vingaria de vez. Ledo engano - até porque o trabalho dos mineiros continha em sua receita muito do Clube da Esquina, e do folk e do soft-rock americano. Mas vale prestar atenção na obra dos caras, e em especial em "Perdido em Abbey Road", homenagem aos Beatles que abre o álbum de estreia da banda, que também contém "Canção da América", "Natural" e "O Vento, A Chuva, o Teu Olhar". 

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