O show do Morrissey ontem, em seis pedaços:
1) O lugar: foi bem tranquilo chegar ao Espaço das Américas. Tudo bem, eu fui de carro, e isso não conta muito, mas dava pra perceber que foi sossegado parar na rua e também chegar ao lugar de metrô. Entre o lugar que paramos o carro e o Espaço das Américas, os cambistas agiam livremente, pedindo até R$700 (!) por um ingresso normal. (Isso pra não falar nas camisetas e nas bandeiras totalmente made in Bom Retiro). Bizarro foi perceber que ali tinha sido minha formatura no Ensino Médio, dois anos antes - e quase inconcebível como Morrissey e, sei lá, o diretor do meu colégio coubessem no "mesmo palco". Fiquei meio preocupado também com o som - até onde eu me lembrava, a orquestrinha que massacrava "Viva La Vida" enquanto eu usava uma beca também era atrapalhada pelo sistema de som do lugar.
2) O antes: Estratégia básica de shows: compre todas as fichas de bebida antes, para não ter problemas depois. Foi algo que eu aprendi com o SESC Pompeia e resolvi seguir aqui. Graças à peculiaridade alimentícia-ideológica do Morrissey, foi a primeira vez que eu vi um "mix de frutas secas" sendo oferecido como opção no cardápio (isso pra não comentar que só tinha pizza com queijo). A pista comum já estava razoavelmente cheia - umas quinze fileiras de pessoas desde a grade, pelo menos. Já dava pra perceber que problemas de visibilidade iam rolar: a pista, plana, favorecia quem tinha mais de 1,80m (não é o meu caso) - minha amiga de 1,60m sofreu um bocado e até comemorou quando finalmente viu o Morrissey. Ainda vale dedicar algumas linhas ao show de Kristeen Young. Quer dizer, algumas palavras. Uma só: chato.
3) O som: sim, como eu temia, o som estava ruim. Claro, não chegou ao nível de ruindade do Credicard Hall durante o show do Tears for Fears (desculpem, tenho baixos e poucos parâmetros), mas foi complicado. Não existiam caixas de som ao longo do lugar - apenas no palco, até onde eu vi - e em muitos momentos, os alto-falantes ficaram roufenhos, atrapalhando a imersão total da plateia na comunhão (?) proposta por Morrissey. Fica o aviso para quem se dispuser a ir no show de Noel Gallagher, em maio, no mesmo Espaço das Américas.
4) O repertório: eu já tinha falado sobre o repertório no sábado, mas depois que você passa por ele você tem outra percepção. O começo foi empolgante, com a boa dobradinha de "First of the Gang to Die" e "You Have Killed Me", mas depois a coisa descambou quando o inglês de sangue irlandês (tudum-tss) enveredou por um caminho mais soturno de seu repertório solo. À vera, foi um set mal escolhido - Moz deixou de lado alguns dos seus principais números sem Johnny Marr, como "Irish Blood, English Heart", "The More You Ignore Me, The Closer I Get" e o hitzaço formador "Suedehead". Mesmo assim, foi bonito de ver coisas como "Everyday is Like Sunday" aparecendo.
5) Os Smiths: dava pra perceber que pelo menos uns 60% da plateia estava ali para ver as canções dos Smiths - isso era claro tanto nas camisetas trajadas ali (além dos Smiths, claro, havia muita gente estampando Depeche Mode, Sisters of Mercy, Duran Duran, The Cure e outras bandas da "década perdida"). Morrissey não é mais o pentelho rebelde de outrora, que não tocava as canções de seu antigo conjunto, mas novamente, vale dizer que poderia tê-las escolhido melhor. Ninguém - repito, ninguém - aguenta mais a patrulhagem de "Meat is Murder" (que em mim só provocou a reação reversa de desejo de sair de lá direto pra uma churrascaria) - em compensação, a lista de substitutas possíveis é imensa (eu nem vou começar). No mais, vale dizer que os melhores momentos do show foram o das canções da parceria Moz & Marr: a baladaça redentora "There is a Light That Never Goes Out", que apareceu em andamento mais arrastado, como se a fim de deixar a sensação de catarse mais prolongada, a desolação total e sem concessões de "I Know It's Over" e o petardo alucinante de "How Soon is Now?", que me deixou num transe (que talvez esteja durando até agora). Juntas, as três explicam porque os Smiths são, para muita gente, a grande banda dos anos 80: eles lidam com uma série de questões pessoais/musicais/sentimentais que não são lá exatamente muito simples de se lidar.
6) O homem: além dos Smiths, resta o homem. Morrissey é um show em palco, seja brincando com a plateia, fazendo seus discursos políticos ("O Príncipe Harry está em seu país esta noite. Ele quer tirar seu dinheiro!") ou dançando. Em um dos momentos mais icônicos (e irônicos) da apresentação, durante "Let Me Kiss You", ele tira a camisa no verso "And see someone/that you physically despise", mostrando como envelheceu bem. Moz estava à vontade, e declarou amar a plateia (ok, truque de rockstar) umas seis vezes, sendo que chegou até a vestir uma bandeira brasileira como parte de baixo da roupa no bis. E, por mais que a visão fosse precária, por mais que o som estivesse ruim e sua voz não saísse perfeita como acostumei-me a ouvir nos meus fones de ouvido, era possível entender porque valia a pena estar lá vendo um pequeno monstro cantar. Fotos por Fernando Borges, do Terra.
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