25 de abr. de 2013

Brilha, Brilha, Estrelinha

Era uma vez uma banda de rock cujo nome tinha como inspiração um supermercado de sua cidade, Memphis, nos Estados Unidos, e que era contratada de uma gravadora responsável por grandes hinos da soul music. Apesar de ter gravado algumas das mais belas músicas dos anos 1970 em seu primeiro disco, atraindo aplausos de boa parte da crítica na época, a tal banda nunca chegou ao estrelato - culpa de "problemas de distribuição" e, posteriormente, pela falência do selo a qual pertencia. Entretanto, mesmo escondidas pela poeira do tempo, tais canções fizeram a cabeça de muitos jovens músicos durante as duas décadas seguintes, o que as fez ganhar sobrevida e incluir a tal banda no "Grande Livro da História do Rock".

Essa é a história que conta Nothing Can Hurt Me, documentário que joga luz sobre a vida e a obra do Big Star. Dirigido por Drew DeNicola e Olivia Mori, o filme foi lançado em 2012 nos EUA, mas tem corrido o mundo em diversos festivais e serve como boa introdução aos não-iniciados no conjunto que fez Paul Westerberg, dos Replacements, cometer um verso como "Eu nunca viajo pra longe sem minha pequena grande estrela".

Logo de saída, o filme procura situar o espectador no ambiente onde as coisas acontecem. Afinal, estamos falando de Memphis, a cidade onde Elvis Presley gravou pela Sun Records e onde surgiu a Stax, casa de nomes como Isaac Hayes, Booker T. & MG's, Otis Redding e Wilson Pickett. Some esse cenário à invasão britânica do começo dos anos 60 e será fácil entender o ponto de partida do Big Star: garotos tentando fazer um som com guitarras na garagem mais próxima.

Um deles, Alex Chilton, fugiu do colégio para ser um ídolo adolescente com sua primeira banda, os Box Tops: "The Letter", seu primeiro hit, vendeu cerca de quatro milhões de cópias, enquanto outro deles, Chris Bell, aprendia a gravar o som perfeito brincando nos estúdios Ardent. Depois que Chilton cansou dos Box Tops e voltou à sua cidade, Bell o arregimentou para fazer parte de uma banda que tinha com os amigos Andy Hummel e Jody Stephens. Estava formado o Big Star, que em pouco tempo gravou seu primeiro disco, #1 Record, dentro dos mesmos estúdios Ardent, àquela altura transformado em selo pop-rock da Stax.

Nothing Can Hurt Me falha em alguns aspectos, especialmente ao descrever com pouca profundidade a relação entre os dois gênios da banda, tanto no campo pessoal como profissional. O documentário tampouco desmistifica os tais “problemas de distribuição” que levaram #1 Record a ser um fracasso de vendas em 1972, impedindo musicófilos de todas as partes dos EUA de conhecer a banda que a crítica elogiava tanto à época.

Além disso, o filme perde tempo com algumas histórias interessantes, mas que fogem ao que realmente importa para o espectador, como a vida do produtor Jim Dickinson (um dos grandes responsáveis pela porrada melancólica que é o álbum Third, gravado já sem Bell e o baixista Hummel), ou a porralouquice da cena de Memphis nos anos 70 (Há, entretanto, que se dar o devido desconto ao longa-metragem, cuja realização não pode contar com entrevistas de Bell, morto em 1978, e Chilton, falecido em março de 2010).
 
Bell, Jody Stephens, Andy Hummel e Alex Chilton
Mesmo assim, não se pode dizer que o documentário não cumpra lá sua função. Primeiro porque para os fãs dos riffs e das baladas do Big Star é uma grande emoção ouvir hinos como "September Gurls", "Thirteen" ou "Ballad of El Goodo" nos alto-falantes de uma sala de cinema. Segundo, e mais importante, porque nos faz questionar uma meia dúzia de coisinhas sobre o negócio da música, e suas transformações entre a época da banda e os dias de hoje.

Alegada razão para o insucesso do Big Star, a falta de distribuição é um problema que pouco atinge (ou não deveria atingir) os artistas do nosso tempo, uma vez que a música deixou de ser física para ser facilmente reproduzida em qualquer canto do mundo, a qualquer hora, e, recentemente, de maneira instantânea (alô, Spotify!). Por outro lado, o que garantiu a sobrevivência do Big Star até os dias de hoje (e faz a razão desse texto existir) é justamente a qualidade de gravação e composição de suas músicas. Elas têm um som límpido, bem gravado, e é fácil de enxergar, tanto em letras quanto em melodias, um trabalho feito com muito esmero, capaz de cativar quem ouve em poucos segundos (duvida? Faça o teste com "In The Street", que tempos atrás era a trilha de abertura do seriado That 70's Show).

O tal supermercado que deu nome à banda
Pode parecer presunçoso, mas um dos grandes problemas de 90% da música produzida nesses dias que correm é justamente esse: além de muita coisa ser mal gravada (algo alegado por muitos artistas brasileiros nos últimos tempos, como aqui e aqui), boa parte dela é produzida além do necessário, artificialmente, buscando o sucesso fácil, ainda mais em um momento (ou já podemos falar em uma era) que o dinheiro ficou mais curto para a indústria fonográfica e muito mais gente procura as luzes da cidade.

É preciso mais que isso, é preciso, roubando um verso clássico de Vinícius de Moraes, "por um pouco de amor numa cadência / para se ver que ninguém no mundo vence / a beleza que tem um 'samba'". Ou, como diz o baixista do Big Star Andy Hummel, em uma das sequências finais de Nothing Can Hurt Me: "Eu sempre convivi com dois sonhos. O primeiro era de fazer o melhor disco do mundo, e o segundo era de ter sucesso comercial. Acontece que eu tive o primeiro muito mais vezes".

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