Era
uma vez uma banda de rock cujo nome tinha como
inspiração um supermercado de sua cidade, Memphis, nos Estados Unidos, e
que era contratada de uma gravadora responsável por grandes hinos da soul
music. Apesar de ter gravado algumas das mais belas músicas
dos anos 1970 em seu primeiro disco, atraindo aplausos de boa parte da crítica
na época, a tal banda nunca chegou ao estrelato - culpa de "problemas de
distribuição" e, posteriormente, pela falência do selo a qual pertencia.
Entretanto, mesmo escondidas pela poeira do tempo, tais canções fizeram a cabeça de muitos jovens músicos durante as duas
décadas seguintes, o que as fez ganhar sobrevida e incluir a tal banda no
"Grande Livro da História do Rock".
Essa é a história que conta Nothing Can Hurt Me, documentário que joga luz sobre a
vida e a obra do Big Star. Dirigido por Drew DeNicola e Olivia
Mori, o filme foi lançado em 2012 nos EUA, mas tem corrido o mundo em diversos festivais e serve como boa introdução aos não-iniciados no
conjunto que fez Paul Westerberg, dos Replacements, cometer
um verso como "Eu nunca viajo pra longe sem minha pequena grande
estrela".
Logo de saída, o filme procura
situar o espectador no ambiente onde as coisas acontecem. Afinal, estamos
falando de Memphis, a cidade onde Elvis Presley gravou pela Sun Records
e onde surgiu a Stax, casa de nomes como Isaac Hayes, Booker T. & MG's, Otis
Redding e Wilson Pickett. Some esse cenário à invasão britânica do começo dos
anos 60 e será fácil entender o ponto de partida do Big Star: garotos tentando
fazer um som com guitarras na garagem mais próxima.
Um deles, Alex Chilton, fugiu do
colégio para ser um ídolo adolescente com sua primeira banda, os Box Tops:
"The Letter", seu primeiro hit, vendeu cerca de quatro milhões de cópias, enquanto outro deles,
Chris Bell, aprendia a gravar o som perfeito brincando nos estúdios Ardent.
Depois que Chilton cansou dos Box Tops e voltou à sua cidade, Bell o
arregimentou para fazer parte de uma banda que tinha com os amigos Andy Hummel
e Jody Stephens. Estava formado o Big Star, que em pouco tempo gravou seu primeiro
disco, #1 Record, dentro dos mesmos estúdios Ardent, àquela altura
transformado em selo pop-rock da Stax.
Nothing Can Hurt Me falha em alguns aspectos, especialmente ao descrever com pouca profundidade a
relação entre os dois gênios da banda, tanto no campo pessoal como profissional. O documentário tampouco desmistifica os tais “problemas de
distribuição” que levaram #1 Record a ser um fracasso de vendas em 1972,
impedindo musicófilos de todas as partes dos EUA de conhecer a banda que
a crítica elogiava tanto à época.
Além disso, o filme perde tempo
com algumas histórias interessantes, mas que fogem ao que realmente importa
para o espectador, como a vida do produtor Jim Dickinson (um dos grandes
responsáveis pela porrada melancólica que é o álbum Third, gravado
já sem Bell e o baixista Hummel), ou a porralouquice da cena de Memphis nos
anos 70 (Há, entretanto, que se dar o devido desconto ao longa-metragem, cuja
realização não pode contar com entrevistas de Bell, morto em 1978, e Chilton,
falecido em março de 2010).
Bell, Jody Stephens, Andy Hummel e Alex Chilton |
Alegada razão para o insucesso do
Big Star, a falta de distribuição é um problema que pouco atinge (ou não
deveria atingir) os artistas do nosso tempo, uma vez que a música deixou de ser
física para ser facilmente reproduzida em qualquer canto do mundo, a qualquer
hora, e, recentemente, de maneira instantânea (alô, Spotify!). Por outro lado, o
que garantiu a sobrevivência do Big Star até os dias de hoje (e faz a razão
desse texto existir) é justamente a qualidade de gravação e composição de suas
músicas. Elas têm um som límpido, bem gravado, e é fácil de enxergar, tanto em
letras quanto em melodias, um trabalho feito com muito esmero, capaz de cativar
quem ouve em poucos segundos (duvida? Faça o teste com "In The
Street", que tempos atrás era a trilha de abertura do seriado That
70's Show).
O tal supermercado que deu nome à banda |
É preciso mais que isso, é
preciso, roubando um verso clássico de Vinícius de Moraes, "por um pouco
de amor numa cadência / para se ver que ninguém no mundo vence / a beleza que
tem um 'samba'". Ou, como diz o baixista do Big Star Andy Hummel, em uma
das sequências finais de Nothing Can Hurt Me: "Eu sempre convivi com
dois sonhos. O primeiro era de fazer o melhor disco do mundo, e o segundo era
de ter sucesso comercial. Acontece que eu tive o primeiro muito mais
vezes".
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