8 de jan. de 2014

Melhores 2013: Músicas Nacionais

2013 foi um ano difícil. Complexo. Longo. Mas talvez por tudo isso, um ano interessantíssimo - especialmente para a safra nacional de música, talvez a melhor desde que este escritor começou a acompanhar com afinco profissional e coração de amador a cena brasileira. Uma temporada bastante plural, na qual cabe funk, rock, rap (embora o rap brasileiro há muito já tenha expandido suas fronteiras), MPB, retornos de heróis do mainstream (Guilherme Arantes) e do independente e um punhado de segundos discos (Apanhador Só, Nevilton, Selton, Marcelo Jeneci, Bárbara Eugênia) que mostra que a canção brasileira pulsa, e muito bem viva. A seguir, o Pergunte ao Pop apresenta as 25 melhores músicas nacionais de 2013, um retrato sonoro de um ano que, espera-se, o Brasil não esquecerá. 

1º - "Despirocar", Apanhador Só

Primeiro single do disco mais importante de 2013 no Brasil, "Despirocar" é a música do ano não só por representar iconicamente a evolução lírica e musical de uma das bandas mais interessantes de sua geração - isso já seria o bastante para um grupo que teve uma estreia empolgante ao misturar Pavement, Tom Zé, Los Hermanos e sucata para falar de relacionamentos com olhar de iniciante. Mas, lançada no final de maio, "Despirocar" representa o Brasil de 2013. Espécie de "Construção" adaptada ao País do século XXI, no qual a mão de obra da construção civil agora tem sua força de trabalho (sub)empregada em um setor terciário inflado. No lugar de "amar daquela vez como se fosse a última", o eu-lírico da canção vive correndo, acotovelando-se no transporte público deficitário, alimenta-se mal (seja na "fila do buffet" ou "engolindo um biscoito") e trabalha até às últimas, chegando em casa cansado para ouvir "o William Bonner que me afaga me contando uma fábula sobre algo que ocorreu". Entretanto, se na obra de Chico Buarque o fim último de seu personagem era a morte, aqui a saída é a loucura, o 'não se submeter ao sistema', ou o 'que se foda tudo isso'. Comparações à parte (são trabalhos de grandeza poética e urgências diferentes), "Despirocar" traz em seu cerne, identificada e transformada em versos, a energia do descontentamento que, na visão externa deste escritor, pode ter auxiliado a levar milhões de brasileiros às ruas no mês de junho, no movimento popular mais importante do país em anos. É por representações como essa que a Música se tornou uma peça tão vital para entender a sociedade contemporânea - pelo menos, é nisso que o Pergunte ao Pop acredita. Se não for assim, talvez seja melhor despirocar, de vez. 

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2º - "Hoje Cedo", Emicida & Pitty

Em uma das melhores produções do ano no País, Emicida junta a voz doce de Pitty, guitarras, sintetizadores 'pesados' e o seu próprio flow para questionar a estrutura destrutiva do showbizz, da indústria de celebridades e a mercantilização da arte ("A sociedade vende Jesus, por que não ia vender rap?"), relembrando um ponto de vista (o do rap na fase de bonança) já explorado com muito talento pelos Racionais MCs em Nada Como Um Dia Após o Outro. Entretanto, é no momento que sua narrativa se afasta de sua própria figura e se aproxima do cotidiano, em um momento de identificação com seu público (e do público com seus ídolos) que "Hoje Cedo" tem seu melhor momento, nos versos pré-refrão "Crise, trampo, ideologia, pause/É aqui que nós entende a Amy Winehouse". Todos nós.

3º - "Show das Poderosas", Anitta

A receita é simples, mas funciona: uma menina do subúrbio carioca passa meses na academia, copia uma estrela do pop safado norte-americano e flerta com o funk carioca para se tornar o maior sucesso popular do ano. Você poderia ter pensado em Kelly Key e a sua "Baba", mas 2013 não é (mesmo?) 2001, e Larissa Machado se espelha não em Britney, mas em Beyoncé. No imaginário masculino e nas brigas de salão de beleza, nos programas de auditório e nas paradas de sucesso, só deu Anitta - e todo mundo ficou ba-ban-do. No fundo, é apenas uma canção com uma ideia velha demais (a competição feminina) envolvida em superprodução eficientíssima, mas não por isso ela não merece seu lugar. Pre-... ah, você sabe. 

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- "Anitta repete Kelly Key e higieniza Valeska Popuzuda"

4º - "Limbo", Herod & Jair Naves

Épico de nove minutos e alguns segundos, "Limbo" é a cereja no bolo do grande ano da Herod (ex-Herod Layne): além de abrir para o The Cure no Rio de Janeiro e em São Paulo, a banda gravou o petardo Umbra, de onde sai esta grande colaboração com Jair Naves (dono do 3ª melhor disco de 2012 para este blog, e um dos shows mais bonitos a serem vistos no País). Em muitos dias de 2013, nenhuma frase fez mais sentido que "a sanidade é um atributo que já não tem valor", acompanhada de guitarras que unem ruído e repetição sem caírem no absurdo. Ouça em bons fones de ouvido, no último volume - é uma grande experiência.

5º - "Porcelana", Nevilton

Na estreia De Verdade, o trio paranaense Nevilton já deixava entrever seu apego pela canção caipira misturada a boas guitarras, mas a união chegou ao seu auge apenas no segundo trabalho do grupo, Sacode!. Composta em homenagem ao avó falecido do guitar hero Nevilton de Alencar, "Porcelana" é uma moda de viola moderna, cunhada em frases poderosíssimas - em uma mostra de que não é preciso muito para que o rock brasileiro mostre suas cores nacionais sem exibir pedantismo ou enveredar por caminhos poucos naturais. 

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Entrevista com Nevilton no S&Y, por Rodrigo Guidi

6º - "Rosa", Wado

O melhor momento de Vazio Tropical, um disco melancólico, econômico e bastante lírico que sai das mãos de Wado depois de alguns trabalhos dedicados ao balanço, ao groove e aos sintetizadores, é "Rosa", uma parceria com Cícero que relê o refrão de "Canto de Ossanha" sob uma perspectiva contemplativa e efêmera: "Vai sofrer, mas depois vai passar". 

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Entrevista com Wado para o Scream & Yell



7º - "Pra Gente Se Desprender", Marcelo Jeneci

Muita gente duvidava que Marcelo Jeneci conseguisse manter o alto nível de sua estreia (Feito pra acabar, de 2010) em seu segundo trabalho, mas ele conseguiu. Não há grandes novidades: um arranjador que manja de tudo da canção dos anos 70 (antes era Arthur Verocai, agora é Eumir Deodato), uma letra que parte de uma perspectiva extremamente romântica e o encanto da voz (e do suspiro) de Laura Lavieri, envolvida por piano e cordas. Mas, assim como antes, há beleza demais em corações partidos - e saber disso torna tudo ainda mais belo e triste.

Leia mais:
- Entrevista com Marcelo Jeneci, por Yuri de Castro, para o Fita Bruta

8º - "Azar", Sinamantes

"Azar", faixa de abertura do disco de estreia dos Sinamantes (que tem em suas fileiras Mariá Portugal, do Trash Pour 4), é a melhor música de amor que o Pato Fu não fez em 2013. A comparação não é à toa: a canção foi produzida por John Ulhôa, e contém em sua essência a doçura (a letra romântica, harmonias vocais) e a porra louquice (guitarras com efeitos, certa ironia lírica) que tanto marcam as melhores músicas de amor do grupo mineiro. 

9º - "Tom Zé Mané", Tom Zé

Apoiado pela Trupe Chá de Boldo, Tatá Aeroplano e pela Filarmônica de Pasárgada, Tom Zé faz auto-deboche de si mesmo e questiona a função da publicidade em metalinguagem em "Tom Zé Mané", provocada pela execração pública que o baiano sofreu no Facebook após participar de um comercial da Coca-Cola louvando a Copa do Mundo. O melhor momento da música, entretanto, é quando Emicida sopra, ao fundo, "Se fosse do Dolly, pelo menos...". 



10º - "Amor Pra Depois", SILVA

Composta para uma categoria especial do Prêmio Multishow, "Amor Pra Depois" mostra SILVA abraçando cada vez mais sua veia pop. Com melodia e arranjo dignos de um verão oitentista com bicicletas no calçadão da praia, a canção traz em seu refrão versos típicos de uma auto-ajuda pop que não deve passar batida: "O amor é coisa boa para se viver a dois/Triste é quando um lado quer deixar para depois". 

11º - "Roupa Suja", Bárbara Eugênia & Pélico

Ver um casal se desfazendo em uma grande canção pode ser um clichê, mas isso não significa que "Roupa Suja" não mereça estar aqui: um belo dueto entre Bárbara Eugênia e Pélico, que ganha contornos dramáticos ao vivo, e mostra a força de dois dos melhores intérpretes dessa geração. 

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12º - "Não Me Venha Com Essa de Amor", David Dines

A vibe fofoeletropop do SILVA encontra uma cafagestagem sincera à moda conquistadora de Lulu Santos, e o resultado é um hit (ao contrário) do verão, que podia embalar a minha, a sua, a nossa vida. Só não me venha com essa de amor, porque ainda falta muito pra de manhã.



13º - "Vado Via", Selton

Seria fácil apontar outras canções mais pop e mais certeiras de Saudade nessa lista, mas, em um disco que fala sobre terras estrangeiras, viajantes e saudade (do que mais?), a curta "Vado Via" merece destaque por duas grandes razões: a letra, entre o português e o italiano, responde à vocação de correr mundo que há em cada um de nós, enquanto a música mostra a força dos ítalo-gaúchos em grandes arranjos vocais e percussivos, adicionando um toque tropical caymmiano à receita polifônica do Brooklyn que vem dos Dirty Projectors. E se ir é bom, voltar é melhor ainda. 

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Entrevista com Selton no S&Y, por Marcelo Costa
Selton ao vivo em São Paulo no S&Y

14º - "Ela É Tarja Preta", Felipe Cordeiro

Depois do brega do Calypso e do tecnobrega de Gaby Amarantos e Gang do Eletro terem passado pelo Brasil, a onda boa do Pará da vez é a guitarra dengosa de Felipe Cordeiro. Se Apaixone Pela Loucura do Seu Amor é o terceiro disco do rapaz, e, produzido pelo onipresente Carlos Eduardo Miranda, destaca o lado romântico afetivo do moço, deixando de lado o tom irônico do disco anterior, Kitsch Pop Cult. O melhor momento do trabalho é "Ela é Tarja Preta", parceria com Arnaldo Antunes que versa a dor e a delícia de uma moça um tanto quanto... atrapalhada. Mas, ao contrário do que a letra diz, essa canção aqui não pode fazer mal pra você. 

15º - "Moldura do Quadro Roubado", Guilherme Arantes

Na melhor canção do grande retorno da música brasileira em 2013, Guilherme Arantes deixa de lado as canções de amor para apontar dedos indicadores aos inúmeros problemas sociais e políticos do Brasil nos últimos 30 anos. É uma visão ingênua e simplista, mas que não deixa de ter seu valor ao mostrar que "a favela explodiu", e a "quadrilha de gravata" e a "voz rouca do pastor" têm um poder desnecessário no País. Para completar, tem um solo de guitarra matador à moda de Carlos Santana, parido pelos dedos espertos de Luiz Sérgio Carlini (Tutti Frutti). Valeu, Guilherme.

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16º - "Oi", Rosablanca

A volta de Dary Jr. (o homem por trás de algumas das melhores letras do rock brasileiro da última década, como "De Turim a Acapulco", "Praça de Alimentação" e "Lorena Foi Embora"), agora com a Rosablanca, tem como destaque uma balada roqueira que faria Odair José morrer de inveja. Em 2014, o grupo de Curitiba promete ainda mais. Fique atento.

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17º - "Reinação", Apanhador Só

Misto de delírio narrativo com recriação do hino nacional perpassada por ruído, "Reinação" é irmã gêmea e contraposição ideal de "Despirocar": no que a segunda tem de aterrorizante e destruidor, a primeira tem de utópico, ainda assim sendo capaz de identificar o descontentamento presente nas ruas (e ônibus e vagões de metrô) do Brasil.

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18º - "Valdineia", Riachão

O samba tem quase cem anos - e o baiano Riachão viveu os últimos oitenta deles. Apesar disso, Mundão de Ouro é apenas seu primeiro disco solo (antes, ele havia participado de uma coletânea com Batatinha em 1973), uma seleção de algumas de suas melhores canções. Sim, "Chô Chuá" e "Vá Morar Com o Diabo" estão lá, mas em outro grande momento do álbum, Riachão canta as delícias de Valdineia, "uma moça educada, meiga, bonitinha", mas muito mais jovem que ele - e teme perder seu amor, para depois concluir que "amor não tem idade/seja o que Deus quiser". Salve. 

19º - "Tchau Jornal", André Mendes

O disco acústico de André Mendes tem boas baladas românticas e até uma grande faixa à capella, mas o melhor momento do álbum é mesmo "Tchau Jornal", uma crítica rápida e honesta ao jornalismo (ou jornaliRmo) praticado em boa parte das redações brasileiras. A certa altura, Mendes proclama: "Minha imprensa sou eu". Assim como "Informação", de Rafael Castro, em 2012, essa doeu.

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- Três perguntas para André Mendes no S&Y, por Marcelo Costa

20º - "Chocar a Mamãe", O Cantor Mudo

Com irresistível sotaque da Mooca ("olha o que você faz, bello!") e leve acento freudiano, "Chocar a Mamãe" é um dos pontos altos do espetáculo/ópera-rock/EP O Cantor Mudo e a Sonora Vaia, novo projeto de Luiz Venâncio. Vale a pena assistir o vídeo da única apresentação do grupo até agora, em novembro, em São Paulo, inspirada pela morte de Lou Reed. 

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O Cantor Mudo e a Sonora Vaia ao vivo em SP

21º - "Bigode Grosso", MC Marcelly

"Tu tá maluco?", pergunta a essa altura da lista o leitor do Pergunte ao Pop. Eu não tenho patente alta e meu bigode não é grosso, mas não dá para ignorar o bom funk de MC Marcelly, destaque do gênero em um ano de safra bem fraca, com muita repetição por parte da turma do ostentação. "Bigode Grosso" é o funk do ano porque: a) tem uma piscina bolada. b) 300 kg de carne e o dobro de linguiça. c) é festa de adulto e criança não entra. d) tem um refrão que merecia virar canto de torcida em estádio, se algum artilheiro nosso tivesse as manhas de ter uma respeitável penugem debaixo de seu nariz (alô Fred, é com você?).

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- Os melhores (e os piores) funks de 2013, no Fita Bruta, por Yuri de Castro

22º - "Para Kerouac", Jennifer Souza

Nota mais alegre de um disco cheio de melodias tristes, "Para Kerouac" pode soar como pedantismo de Centro Acadêmico de qualquer faculdade de humanas do País, mas é bem mais que isso: uma grande canção que faz perceber que a estrada é longa, mas necessária, e que o melhor caminho ainda é o sonho. 

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23º - "Sexo é Maquiagem", Lulina

Emulando a quase-conterrânea Karina Buhr (que nasceu em Salvador, mas cresceu em Pernambuco), Lulina faz dançar e borra o batom e o blush de metade das transas da noite (em um refrão que faz lembrar uma das melhores cenas de Amélie Poulain). "Sexo é Maquiagem" é o melhor momento de Pantim, segundo disco da cantora que pouco faz para superar o primeiro trabalho, Lulilândia

24º - "Chuva", imof

Ivan Santos, responsável pelo festival De Inverno, é um grande veterano da cena independente de Curitiba. Além do festival, Ivan era uma das cabeças pensantes do OAEOZ e do Hotel Avenida - esta última um projeto promissor de bom folk-rock em português que acabou prematuramente e tinha também o bardo Giancarlo Rufatto em suas linhas. A imof, que nasceu em 2012, pega a rota onde a Hotel Avenida parou e segue em frente com uma bonita balada sentimental, que diz: "O que seria de mim sem você, sem a dúvida/gestos incompletos, palavras sem sentido". Aguarde cenas dos próximos capítulos - em 2014, a banda promete um novo EP, depois de Um Silêncio Novo Na Casa, lançado em 2012. 

25º - "Santos", Ruspo

Ruspo é o codinome musical do jornalista Ruy Sposati, e Esses Patifes, seu álbum de estreia, reflete um pouco das cidades e dos lugares por onde o rapaz tem passado nos últimos anos. O melhor momento do disco, que tem bonitas baladas e sacadas sacanas como "Chatuba do Agroboy", fica por conta de "Santos", que começa soando como uma tétrica balada eletropop praieira, mas, ao retratar uma das cidades mais legais do País, mostra que todas as cidades pequenas são iguais ("Numa cidade tão pequena/ Tudo é identitário/ E cada colega de infortúnio é um grande amigo", diz a letra) e que é preciso sair para seguir em frente. É como diria Lou Reed, acerca de Andy Warhol: "There's no Michelangelo coming from Pittsburgh".

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