20 de fev. de 2012

Boa Parte de Mim Vai Embora

Cinco anos passam rápido. Se essa frase de efeito costuma valer bem para uma pessoa, que dirá para uma banda, ainda mais nos dias de hoje? Boa Parte de Mim Vai Embora, o segundo trabalho da Vanguart, chega aos ouvintes exatamente cinco anos depois da banda causar frisson no cenário independente, através de hits como “Semáforo” e “Cachaça”, destaques de um grande disco, autointitulado, lançado pelos mato-grossenses em 2007. Eles obviamente não foram os primeiros a usar o idioma folk no rock nacional, nem mesmo trouxeram o gênero de volta à tona na última década – como fizeram lá fora, só para citar alguns nomes, Wilco, Ryan Adams e Iron & Wine. Mas, de alguma maneira, acabaram se tornando responsáveis por uma mexida na cena brasileira, fazendo que, de uma hora outra, parecesse plausível e possível fazer música calcada em voz e violão – Mallu Magalhães e sua “Vanguart” que o digam.

Entretanto, no lugar de partir direto para o esperado segundo disco, a banda preferiu registrar suas canções em um álbum ao vivo e passou os últimos tempos tocando um projeto paralelo baseado emcanções dos Beatles, o VangBeats. Nesse meio tempo, o vocalista Hélio Flanders concedeu entrevistas polêmicas (ao próprio Scream & Yell), falando que tinha “dez ‘Semáforos’ guardadas em casa” e que buscava um caminho mais experimental para o trabalho de sua banda. A sensação que muitos tinham, durante esses anos todos, era de que o grupo de Cuiabá teria perdido seu rumo. Boa Parte de Mim Vai Embora, o segundo disco de estúdio do Vanguart, acaba não tomando nenhuma das duas direções: não desaponta os fãs da banda, mas também passa longe do experimentalismo apregoado por Hélio.

A primeira coisa que deve ficar clara para o ouvinte é que há aqui uma visão de mundo diferente. Muitos dos melhores momentos da estreia traziam personagens que ainda tentavam encontrar seu lugar no mundo – incluindo aqui as relações com amigos (“Para Abrir os Olhos”), bebida (“Cachaça”), relacionamentos (“Enquanto Isso na Lanchonete”) e mulheres misteriosas (“The Last Time I Saw You”). Boa Parte de Mim Vai Embora, por sua vez, é amargo, sem a inocência passada, falando muitas vezes sobre decepções, desilusões e despedidas sem o menor pudor – até mesmo as declarações de amor que existem no disco têm seu lado distorcido e sujo.

A jovem-guardiana “Mi Vida Eres Tu” abre o álbum, funcionando como um retrato do jovem de outrora, ainda perdido em relação ao passado (“Canto a mesma canção / Vivo uma velha ilusão / ando pelas ruas esperando / que apareça alguma louca / ainda mais louca que eu”). Com um refrão em espanhol, a música é a única do disco a passear por outros idiomas – uma diferença salutar para Vanguart, que também incluía faixas em inglês. “Mi Vida Eres Tu” ganha força quando abre espaço para um arranjo beirando o brega, com o teclado de Luiz Lazzaroto feito órgão de churrascaria à la Lafayette fazendo a cama por trás.

É só o ponto de partida. O que se ouve na sequencia é um apanhado de canções tristes, das quais merecem destaque “Se Tiver Que Ser Na Bala Vai”, com suas imagens fortes e seu amor incondicional e violento, e “Nessa Cidade”, com seu arranjo peculiar ao mesclar o violino da nova integrante Fernanda Kostchak com o piano que conduz e a bateria apocalíptica de Douglas Godoy no final da canção. Entretanto, apesar de interessante, o clima pesado pode cansar o ouvinte. Uma das razões para isso é a voz de Hélio Flanders: apesar de personalíssima e especial, ela se torna repetitiva quando insiste no tom depressivo à la Thom Yorke no decorrer da primeira metade do novo disco.

E é em grande parte por causa dessa atmosfera tensa que o álbum atinge seus melhores momentos quando a banda encontra ares mais alegres, seja na matrimonial “Eu Vou Lá”, ou nas duas canções que o baixista Reginaldo Lincoln exibe seus dotes ao microfone. Reginaldo é um cantor de voz comum, mas que traz um colorido especial a Boa Parte de Mim Vai Embora, na pop ao melhor estilo Clube da Esquina “Onde Você Parou” e também no dueto com Hélio na country “…Das Lágrimas”.

Ao longo das treze faixas não é possível sentir a guinada musical prometida por Flanders: a maioria das canções ainda é calcada em uma base de violão, fazendo o ritmo, e com os outros instrumentos – a guitarra de David Dafré e o teclado de Lazzaroto – completando os arranjos, no melhor padrão Vanguart de composição, se é que isso existe. Às vezes, se opta por um andamento galopante, como acontece no primeiro single “Depressa”, enquanto em outros momentos há uma dinâmica mais cadenciada, como em “Amigo”. Entretanto, nem tudo é igual como antes: o violino de Fernanda Kostchak reforça – em quatro canções – o clima pungente e dolorido que permeia o repertório de Boa Parte de Mim Vai Embora – as já citadas “Nessa Cidade”, “Amigo” e “…Das Lágrimas” e também “O Que A Gente Podia Ser”, outra com sabor mineiro à moda do clube de Milton & Lô.

Ao final de sua audição, Boa Parte de Mim Vai Embora deixa uma sensação estranha: apesar de ser um bonito disco, com pelo menos quatro ou cinco grandes canções, fica faltando alguma coisa. O Vanguart não perdeu o trem da história, como muitos pensavam ou temiam, mas teve de ficar de pé no vagão porque muita gente boa encontrou melhores lugares para se sentar. Acabaram presos em um lugar incômodo, entre o indie e o mainstream, perdendo talvez uma chance de ouro de tornar ainda mais real a profecia feita aqui nesse site, há exatos cinco anos: “E no meio desse caos todo, o Vanguart pode ser a banda a fazer a ponte do independente com o mainstream, mostrando que além deles existem um punhado de bandas bacanas escondidas nesse imenso Brasil. Dentro desse panorama, ‘Semáforo’ tem jeito sim de clássico da nova geração. Uma canção forte, emblemática, inspirada. 2006 pode ser o ano do novo rock nacional”. 2006 ficou para trás e, embora a sensação de caos continue presente, o Vanguart não parece mais o primeiro nome da fila. Talvez nem quisessem. Talvez.

(originalmente publicado no Scream & Yell, em setembro de 2011. Fotos por Bruno Capelas, no show de lançamento de Boa Parte de Mim Vai Embora, em outubro de 2011, no Auditório Ibirapuera)

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